Quem chega primeiro ao futuro? E como chegará lá a política?

A política terá de encontrar também aqui outro espaço, uma vez que a estas evoluções continua a chegar sistematicamente atrasada.

A corrida para o futuro já começou há alguns anos... e o tempo (nestes anos) tem trazido coisas verdadeiramente surpreendentes com que temos de lidar: a velhice, o desenvolvimento, a transformação do mundo e a transformação da política. Novas questões que nos trazem duas certezas: a primeira é saber que há vencedores nesta corrida (interessa saber quem virão a ser...); a segunda é saber se os vencedores correram muito rápido (porque talvez isso signifique que tenha deixado a política perder o espaço que deve manter na vida das pessoas e das comunidades).

Quero acompanhar estas certezas de duas clarificações prévias: por um lado, não sou (nem pretendo ser) futurologista. Por outro, não tenho outro intuito com este texto que não seja o de abordar estes dois problemas que nos vão surgir na decorrência da inovação e da evolução social e tecnológica que tanto apreciamos. O meu exercício de futuro não é novo na metodologia: é o exercício de olhar para a história da humanidade e analisar as reações dos nossos antepassados ao progresso, tentando assim acautelar o futuro (para que não tenhamos de reagir novamente).

Como não há duas sem três, vou-me socorrer ainda de uma terceira certeza que todos temos para abordar o primeiro problema: a morte. Há um exercício que Harari nos sugere no seu último livro (Homo Deus): analisar a evolução da mortalidade humana para olhar para o futuro. O autor analisa os últimos séculos da nossa história e enuncia as três grandes causas da morte dos seres humanos: a fome, as epidemias e a guerra. A fome que condenava à morte grandes populações em períodos de secas ou fracas colheitas; as epidemias que rapidamente transformavam cidades em cemitérios e a guerra que dizimou nações, etnias e povos.

Será seguro dizer que o mundo ainda não conseguiu vencer nenhum destes desafios, mas nós, na Europa Ocidental, conseguimos praticamente debelar todos, pelo menos em larga escala, com um projeto de paz, desenvolvimento e cooperação a que chamamos União Europeia.

Olhar para o futuro nesta base deve alertar-nos para o caminho que vamos fazer enquanto comunidade. Na luta contra a morte, nós acabámos com a guerra, e temos travado de forma empenhada um combate contra as desigualdades no acesso aos bens essenciais, como a saúde. Nesta última, por exemplo, os desenvolvimentos científicos que erradicaram as epidemias e que nos afastam progressivamente da morte podem ter, no longo prazo, tanto de negativo como têm agora de positivo.

A tecnologia vai permitir que possamos criar medicamentos específicos para as pessoas, fabricar órgãos vitais, injetar pequenos robôs na nossa corrente sanguínea e alterar o nosso ADN. Será o mesmo que dizer que vamos poder criar melhores pessoas, com mais capacidades e mais resistentes às doenças e à própria morte. Admitindo que não vemos nenhum problema nisto, já pensámos que quem chegar primeiro a este futuro terá mais poder que todos os outros (seja um país, um povo, uma comunidade ou uma empresa)? À boleia de populações mais resilientes, poderemos deparar-nos com o exército mais potente do mundo. Podemos estar a falar da nova competição do estilo da que se travou pela bomba atómica? Como é que uma comunidade europeia que distribui fundos para a investigação científica pelos seus Estados-membros monitoriza o avanço tecnológico de cada um deles? Como é que se decide quem chega primeiro do ponto de vista comunitário?

Se existe um desafio de regulamentação no futuro para a política global, o que será de todas as situações em que ela já não ocupe um lugar de influência.

Isto leva-me ao segundo problema que trago a esta discussão. Houve um tempo em que a atribuição de apoios e benefícios, numa lógica de planeamento económico, dependia da política, pois as suas instituições representavam os interesses dos cidadãos e estavam por isso legitimadas por todos para mediar conflitos e corrigir desequilíbrios. A política foi desaparecendo de alguns destes processos porque a tecnologia aproximou de tal forma os cidadãos que eles, na maior parte das vezes, acabam por se relacionar diretamente, sem mediação ou com mediação de organizações e estruturas da sociedade civil, mais formais ou mais informais.

Quero ressalvar que não acredito que a política vá deixar de ter espaço nas nossas vidas, mas não posso deixar de me questionar sobre o dia em que a sua influência na organização social, económica e legislativa de muitos setores venha a desaparecer. Isso acontece já no sistema financeiro, por exemplo, com as tecnologias como o blockchain, que suporta as chamadas “criptomoedas” (sendo as bitcoins porventura as mais conhecidas), e que permite aos cidadãos controlarem eles próprios as suas transações comerciais e bancárias, sem passar pela regulação de um banco central. Outro exemplo são os ditos smart contracts que se fazem recorrendo a esta proximidade tecnológica e que podem permitir a duas pessoas que se obriguem mutuamente sem uma autoridade legal que suporte o cumprimento desses contratos, podendo até casar-se sem recorrer ao registo civil.

A política perde espaço nestas aparentes “banalidades” do nosso quotidiano, à medida que a melhor maneira que os cidadãos têm de acompanhar este futuro é desvalorizando a sua privacidade. O que é transparente e acessível a todos, no ritmo das evoluções presentes, parece querer dispensar a existência de reguladores ou instituições políticas que façam a mediação e a proteção das pessoas... A política terá de encontrar também aqui outro espaço, uma vez que a estas evoluções, como a tantas outras realidades, continua a chegar sistematicamente atrasada.

Desta feita, na nossa União Europeia, quem chega primeiro ao futuro? E quando se lá chegar, qual será o espaço em que a política irá operar?

Uma nota final, a propósito do debate sobre futuro: entre nós o debate existe e não podemos deixar de estar atentos aos momentos-chave em que ele decorre. Chamo a atenção para a Futurália, que decorrerá na FIL, em Lisboa, entre os dias 14 e 17 de março, dedicada a este futuro próximo a partir do seu foco principal: a educação, a formação e a orientação educativa.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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