Estamos em pleno século XXI. A igualdade de géneros é um tema recorrente e o movimento artístico não lhe fica indiferente. Deslocando-se a uma livraria, o leitor encontrará inúmeras capas elegantemente ilustradas, rubricadas com nomes no feminino. A mulher é parte integrante do movimento literário. Mas nem sempre foi. E não somos obrigados a recuar muito tempo para o comprovar. Escolhi o caso das irmãs Brontë para o demonstrar. Em 1846, Charlotte, Emily e Anne escreveram e publicaram Poems. Se o leitor procurar a referência, julgará que o enganei. Mas não. A obra literária foi assinada com pseudónimos masculinos para evitar represálias. Assim, Poems foi alardeado ao mundo sob assinatura de Currer, Ellis e Acton Bell.
Charlotte Brontë, autora de Jane Eyre (publicado originalmente sob o pseudónimo Currer Bell), viu as suas aspirações literárias severamente criticadas por Robert Southey, ilustre poeta britânico, que partilhava a lógica preconceituosa da época, defendendo que a autoria literária não era prática de especialidade feminina.
A BBC Future comparou as estatísticas e formulou o perfil do vencedor do Prémio Nobel da Literatura: homem, europeu, casado, sem óculos, sem barba, nascido na Primavera ou no Verão, e com mais de 66 anos de idade.
Uma estatística mais simples informa que apenas 14 mulheres venceram o prémio da Academia Sueca. Ainda que a distinção não tenha sido atribuída por sete vezes, a diferença entre homens (96) e mulheres (14) é impressionante. Tanto mais se tivermos em conta uma indiscrição do mercado literário: segundo a UNESCO, é uma mulher que comanda a lista dos autores mais traduzidos do mundo. Agatha Christie é a recordista, seguida de Júlio Verne e William Shakespeare. Mais: Murasaki Shikibu é considerada a autora de O romance de Genji (datado do século XI), conhecido como um dos primeiros romances da história.
Autoras como Jane Austen, Clarice Lispector, Virginia Woolf, Simone de Beauvoir, Toni Morrison, Rachel de Queiroz, Agustina Bessa-Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen, as irmãs Brontë e Agatha Christie, entre tantos nomes que ficam por mencionar, fazem prova da qualidade artística que o género feminino imprime na literatura. Estas mulheres, e tantas outras, marcaram a literatura mundial e servem de inspiração a uma nova geração de escritoras. Se é verdade que a relação entre a mulher e a literatura se tem revelado conturbada, não é menos verdade que esta ligação é essencial ao futuro de uma arte que não pode, nem deve, fechar-se em lógicas preconcebidas, regras castradoras ou costumes obsoletos.