Contratação a prazo e sem termo: um debate em aberto
Num país em que 53,2% da população empregada com idade entre os 15 e os 29 anos está contratada a prazo, o debate sobre as instituições que regulam o mercado de trabalho não pode ser um assunto fechado.
A elevada percentagem de trabalhadores com contratos a termo é uma preocupação crescente no debate sobre políticas de emprego na Europa. Se é verdade que a média ao nível da União Europeia tem vindo a subir lentamente, passando de valores próximos dos 12% no início do século XXI para 14% em 2016, em alguns países a proporção de trabalhadores por conta de outrem com contratos a termo é muito significativa. Segundo os dados do Eurostat, em 2016, e por ordem de grandeza, os países com maiores valores eram a Polónia, com 27,5%, a Espanha, com 26,1%, e Portugal, com 22,3%. Estas percentagens triplicam quando consideramos o grupo etário dos jovens até aos 25 anos.
Na defesa da possibilidade da contratação a termo podemos encontrar os seguintes argumentos: a contratação sem termo implica custos de despedimento elevados, estando muito limitada juridicamente, pelo que a contratação a prazo surge como a forma natural do processo seleção e de recrutamento de trabalhadores, sendo encarada como um passo anterior à contratação sem termo. Enquanto decorre o contrato a prazo, o empregador tem possibilidade de perceber se as características e o desempenho do trabalhador correspondem ao exigido no posto de trabalho, reduzindo assim os riscos de um mau “match” entre o trabalhador e o posto de trabalho. Acresce ainda que a contratação a termo reduz os riscos associados a flutuações da procura, podendo a empresa mais facilmente ajustar a mão-de-obra às necessidades da sua atividade.
Porém, a contratação a termo, quando não dá origem a um contrato permanente, implica maiores riscos no rendimento do trabalhador, reduzindo quer as suas perspetivas de carreira quer as de progressão salarial. Acresce ainda que os incentivos para investir em formação profissional, da empresa e do trabalhador, são tanto menores quanto mais curta for a duração dos contratos, implicando a manutenção de empregos com baixa produtividade.
Há várias estratégias possíveis para reduzir o recurso sistemático à contratação a prazo. Uma via possível é aproximar os custos de despedimento associados à contratação sem termo com os custos de despedimento da contratação a termo. Os primeiros são constituídos essencialmente por custos monetários, associados às indemnizações a pagar pelo despedimento de montante facilmente antecipável pelo empregador, e por custos legais e burocráticos, associados ao processo legal de despedimento, os quais são de antecipação mais difícil. Quanto aos custos da cessação de um contrato a prazo, estes são construídos na sua totalidade pelos custos monetários associados à indemnização. Assim, aproximar os custos de despedimento implica ou diminuir os custos de despedimento da contratação sem termo, diminuindo o custo implícito deste tipo de contratos, ou aumentar os custos da contratação a prazo. A primeira opção foi a escolhida nas reformas laborais ocorridas no período de intervenção da troica, com a diminuição do número de dias de indemnização por cada ano contrato, de 30 para 12 dias, mantendo-se na prática os custos legais. Olhando para os números mais recentes, esta medida em nada alterou o recurso à contratação a prazo, mantendo-se a percentagem de trabalhadores neste tipo de contratos próxima dos valores anteriores à crise. A segunda opção parece ser agora proposta pelo Governo, ao pretender diferenciar as contribuições para a Segurança Social, penalizando a contratação a termo e reduzindo a TSU para os contratos sem termo.
A literatura económica sobre os efeitos do aumento de custos da contratação a termo sobre o emprego ainda é escassa. Um trabalho recente de economistas franceses, com dados da economia francesa, conclui que, em vez de aumentar a contratação sem termo, o aumento de custos da contratação a termo reduziu a duração deste tipo de contratos e diminuiu a criação de emprego. Os autores chamam também a atenção de que estes resultados não podem ser extrapolados para outros países com caraterísticas diferentes da França, pelo que é difícil antecipar qual o impacto das medidas previstas pelo Governo no mercado de trabalho português.
Se o objetivo for aproximar as condições da contratação a termo da contratação permanente, com vista à redução da primeira, talvez se pudesse começar por permitir novas formas de contratação que combinassem elementos de ambas. Uma terceira forma de contratação, sem termo, que permitisse o despedimento individual por motivos económicos (ao contrário da contratação sem termo atual), com um maior valor de indemnização e maior prazo para o aviso prévio, permitiria reduzir os riscos jurídicos associados ao regime da contratação sem termo atual, com uma maior estabilidade para o trabalhador. Uma outra vantagem da introdução deste novo tipo de contrato de trabalho é que os custos, do ponto de vista político ou social, seriam reduzidos, uma vez que não implicaria uma alteração aos contratos existentes. Num país em que 53,2% da população empregada com idade entre os 15 e os 29 anos está contratada a prazo, o debate sobre as instituições que regulam o mercado de trabalho não pode ser um assunto fechado. A situação atual assim o demonstra e exige.
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