A parada militar de Trump não vai ser nada como a do Dia da Bastilha

No dia 14 de Julho do ano passado, o Presidente dos EUA foi a Paris. À sua frente passou uma festa colorida que celebra a ideia de que a união torna todos mais fortes. O que viu foi uma manifestação de força que quer copiar e superar — ao estilo de Putin e Kim, não de Macron.

Fotogaleria
Trump e Macron na parada do Dia da Bastilha, em Paris Kevin Lamarque/Reuters
Fotogaleria
Trump e Macron na parada do Dia da Bastilha, em Paris Kevin Lamarque/Reuters

O Presidente russo Valdimir Putin tem-nas. O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un e o Presidente francês, Emmanuel Macron, também.

Agora, o Presidente Donald Trump quer a sua própria parada militar em Washington, com soldados a marcharem e tanques a rolarem pelas avenidas abaixo. Fontes oficiais disseram ao The Washington Post na terça-feira que tinham começado a planear uma grande parada militar a ter lugar lá mais para o final do ano, para mostrar o poderio das Forças Armadas da América.

“A ordem de marcha foi: quero uma parada como a francesa”, disse uma fonte militar que falou na condição de anonimato. A fonte sublinhou que paradas militares para demonstrarem a força militar não são comuns nos Estados Unidos — a última ocorreu em Junho de 1991, com 8800 tropas americanas e armas, que ajudaram a vencer a Guerra no Golfo Pérsico contra o Presidente iraquiano Saddam Hussein.

Na Europa, os académicos especialistas em Defesa questionaram imediatamente se a parada militar que Trump tem vontade de fazer está na mesma categoria da parada do Dia da Bastilha, que se realiza todos os anos em França e está profundamente enraizada na História e nos valores do país.

As duas paradas iriam reflectir o poderio militar das respectivas nações, mas enviariam mensagens muito diferentes, advertiram alguns analistas e colunistas europeus.

“Para que conste: a parada militar do Dia da Bastilha em França é uma tradição antiga, que remonta a 1880. A sua longevidade e popularidade tem muitas razões históricas. Provavelmente muito diferentes das motivações de Trump”, escreveu Sylvie Kauffmann, directora e colunista do jornal francês Le Monde e que colabora com o The  New York Times, resumindo o sentimento na Europa na quarta-feira, quando se soube da vontade de Trump.

Vejam como somos (Sou) fortes

Enquanto o Dia da Bastilha — que celebra o ponto de viragem da Revolução Francesa — está associado à parada militar anual há mais de um século, o momento escolhido para associar um feriado semelhante a uma parada militar em Washington intrigou alguns observadores estrangeiros. Porquê agora?

Para a porta-voz da Casa Branca Sarah Huckabee Sanders, a resposta a esta pergunta ficou clara na terça-feira à noite. “O Presidente Trump é um grande apoiante do fabuloso trabalho feito pelos militares que arriscam a sua vida todos os dias para manter o nosso país seguro”, disse Sanders. “Ele pediu ao Departamento de Defesa para explorar a ideia de uma celebração em que todos os americanos lhes possam expressar o seu agradecimento.”

Mas aquilo que em França é entendido como uma tradição nacional histórica, seria visto por muitos como uma mensagem política que um único americano dirigia à nação — e na verdade ao mundo — para passar a sua mensagem: Vejam como somos (Sou) fortes.

Não só a parada do Dia da Bastilha evoluiu num contexto diferente, sobrevivendo a duas guerras mundiais e à ocupação nazi, como foi frequentemente usada para enfatizar uma mensagem que pode ser resumida assim: só unidos nos tornamos mais fortes. Quando, em Julho do ano passado, Trump assistiu à parada em Paris, ter-lhe-á escapado que os organizadores costumam convidar tropas estrangeiras — de Marrocos, do Reino Unido, da Alemanha, da Índia — para marcharem ao lado dos soldados franceses ou mesmo para abrirem a parada. Em vez de bandeiras francesas, às vezes os soldados franceses agitam a bandeira da União Europeia, apesar de o bloco europeu não ter um exército próprio.

Num continente onde Trump nunca teve muitos apoiantes, os analistas de Defesa questionavam, com preocupação, se a incapacidade do Presidente para perceber as tradições militares não será um sinal de um problema maior. “Até que ponto uma estima saudável pelos militares se tornou numa obsessão doentia?”, perguntou o especialista em Defesa alemão Marcel Dirsus.

Uma questão de tamanhos

As declarações de quarta-feira motivaram respostas europeias semelhantes às que surgiram repetidas vezes no primeiro ano do mandato de Trump. Quando, no Verão do ano passado, Trump ameaçou a Coreia do Norte com “fogo e fúria”, os analistas perguntaram se estava consciente dos efeitos catastróficos do uso de armas nucleares. E quando enfatizou o tamanho do seu “botão nuclear”, em Janeiro, os observadores dos Estados Unidos e de outros países consideraram o comentário “infantil” e fruto de um mau conselho.

“Trump trata o assunto com desprendimento e ousadia como se tudo não passasse de um jogo de vídeo”, escreveu no Twitter Aaron David Miller, investigador no Centro Internacional Woodrow Wilson para Académicos, que foi conselheiro de vários secretários de Estado. 
A forma como Trump fala das armas nucleares obedece a um padrão por vezes observado, no passado, nos militares, como disseram os investigadores. Referiam-se ao estudo feito em 1985 por Carol Cohn, que analisou comentários feitos por militares em que a guerra nuclear parecia não passar de “uma travessura de criança”.

Cohn disse que esses comentários eram o resultado de uma “competição pela masculinidade” e “uma forma de minimizarem as consequências dos actos militares, negando a sua seriedade”. Concluiu que este pensamento era “um tremendo perigo” se passado para uma situação real.

Mas o tamanho parece ter sido importante na decisão de Trump de organizar uma parada militar em Washington. “Foi uma das paradas mais espectaculares que já vi”, disse o Presidente dos Estados Unidos aos jornalistas no ano passado, referindo-se ao Dia da Bastilha — foi a Paris a convite do Presidente francês Emmanuel Macron, porque no ano passado a parada assinalou também o 100.º aniversário da entrada dos EUA na I Guerra Mundial. 

“Foram duas horas no máximo, foi poder militar, e acho que foi uma coisa fabulosa para a França e para o espírito da França”, disse. Acrescentou: “Vamos ter que tentar superar isto.”

Com James McAuley, em Paris

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Podcast Fogo e Fúria: A semana em que a Casa Branca disparou contra o FBI

 

Sugerir correcção
Comentar