Mutilação Genital Feminina: o corte da submissão
Estima-se que vivem em Portugal cerca de seis mil mulheres que foram mutiladas.
Hoje é dia 6 de fevereiro, dia da tolerância zero à MGF – Mutilação Genital Feminina, decretado pelas Nações Unidas em 2003. Este flagelo afeta mais de 200 milhões de mulheres e raparigas em todo o mundo e, se nada for feito até 2030, serão mais 15 milhões. Esta prática nefasta é realizada em mais de 50 países em todo o mundo e tem resultados dramáticos sobre a saúde mental, sexual e reprodutiva daquelas que lhe são submetidas.
Esta prática é ancestral em muitos países da África e da Ásia e foi disseminada pelo mundo entre as comunidades migrantes que a praticam. Hoje é um flagelo à escala global que condiciona as mulheres quando ainda são crianças, através de um ritual de passagem, a um determinado papel na sociedade que as define, definitivamente, enquanto seres submissos ao poder patriarcal.
A MGF, que encontra várias explicações na tradição e na cultura, tem consequências permanentes e ao longo de toda a vida destas mulheres e raparigas. Consequências violentas na sua vida sexual e reprodutiva (há vários tipos de MGF, que vão desde a excisão parcial do clitóris até ao estreitamento do orifício vaginal através da criação de uma membrana selante, pelo corte e aposição dos pequenos lábios e/ou dos grandes lábios, com ou sem excisão do clítoris) provocando-lhes complicações físicas que acompanham a gravidez e o parto, contribuindo para a morte e morbilidade materno-infantil, mas também para o aumento das fistulas obstétrica, para relações sexuais dolorosas, para dificuldades em engravidar, entre outras.
Estima-se que vivem em Portugal cerca de seis mil mulheres que foram mutiladas, provenientes de comunidades de países onde a prática existe com prevalência reconhecida e comprovada por estudos. Em 2016, foram registados na Plataforma de Dados de Saúde do SNS 80 casos de mulheres com mais de 15 anos submetidas à prática.
As Nações Unidas, através da UNICEF e do FNUAP, lançaram um programa em larga escala de combate à MGF que visa contribuir ativamente para cumprir a Agenda das Nações Unidas e em particular do ODS 5.3 — eliminar todas as práticas nefastas, tendo como meta erradicar a MGF em todo o mundo até 2030. Este ano, o lema do Dia da Tolerância Zero é “O fim da MGF é uma decisão política: tolerância zero das instituições regionais e sub-regionais”, porque só com um forte compromisso de todos os Estados através de todas as instâncias e de financiamento específico será possível alcançar tal desígnio.
Portugal tem desde 2007 Planos de Ação de combate à MGF, que se têm traduzido em medidas concretas no âmbito da saúde, da educação, do apoio a Organizações Não Governamentais que atuam no terreno bem como ao nível da cooperação internacional, em particular com o FNUAP e com o Comité Contra as Práticas Nefastas da Guiné Bissau. Para produzir mudança é crucial alterar o paradigma e o foco da intervenção.
Para que a erradicação da MGF se torne uma realidade é necessário atuar, não só nos sistemas de saúde e de educação, com especial incidência junto das comunidades praticantes, nos países de acolhimento e nos países de origem, junto dos lideres religiosos, no sentido de desconstruir o mito, tantas vezes repetido, de que a prática se alicerça no Corão — as filhas do Profeta não foram mutiladas e há registos de MGF no antigo Egito — e fazer valer os Direitos Humanos das mulheres e das raparigas que são direitos inalienáveis e indivisíveis. Estas mulheres e estas meninas não podem ficar para trás.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico