O que representa hoje a Escola do Porto?
Para além da assimilação cultural mais ampla da designação “Escola do Porto”, reconhecida como uma das principais marcas distintivas da arquitectura contemporânea portuguesa, existe um longo processo de construção marcado por sucessivos debates, reflexões e conflitos. A apresentação de Nuno Brandão Costa como a próxima figura da Escola do Porto veio relançar o debate sobre o seu significado hoje.
Faz sentido falar hoje numa Escola de Coimbra? Faz sequer sentido hoje falar em escolas de arquitectura?
Ao organizar encontros e exposições com o nome “Escola de Coimbra”, o Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra (DARQ) procura inscrever-se no modelo de legitimação oficial das escolas. Para explicar o processo de construção da Escola de Coimbra, com apenas 30 anos de existência, temos de perceber a dinâmica do processo de construção da Escola do Porto.
A Escola do Porto é uma ideia consolidada e construída ao longo do tempo, por muitas gerações. Com provas dadas, na prática profissional e académica, os arquitectos da Escola do Porto alcançaram um importante prestígio nacional e internacional, ganhando vários prémios, entre os quais o Prémio Pritzker de Arquitectura atribuído a Álvaro Siza em 1992 e a Eduardo Souto Moura, 20 anos depois, em 2011. O tema da definição e construção da Escola do Porto tem sido alvo de teses de licenciatura, mestrado e doutoramento, livros, exposições e debates, formando narrativas oficiais mas também alternativas, como por exemplo o livro de Pedro Bandeira (n.1970), Escola do Porto: Lado B / Uma História Oral 1968-1978, e a respectiva exposição patente em Guimarães, no Centro Internacional das Artes José de Guimarães, em 2014. Houve muita polémica em torno deste Lado B, por revelar um outro lado da escola, com outras figuras, outras referências, outras imagens e discursos. Com esta exposição ficou claro que a narrativa da escola é ainda mais complexa e contraditória, o que apenas demonstra, e bem, a riqueza e o interesse do objecto narrado.
A designação “Escola do Porto” serve para identificar um modo de fazer e de pensar associado aos arquitectos formados no Porto. A designação, normalmente utilizada no discurso académico e arquitectónico, é também hoje amplamente adoptada no discurso turístico, jornalístico e até político. Dentro e fora de Portugal, a Escola do Porto é reconhecida como uma das principais marcas distintivas da arquitectura contemporânea portuguesa, configurando um estilo próximo de um certo imaginário formal e linguístico relacionado com a obra de Álvaro Siza. Na assimilação cultural mais ampla da designação “Escola do Porto”, ocorre naturalmente um fenómeno de simplificação que dá origem à configuração de um estilo e de uma marca reconhecível. Da narrativa oficial, de consolidação geracional de um pensamento e de uma prática, foi-se desenvolvendo a ideia de uma mitologia perfeita, sem rupturas, descontinuidades ou sobressaltos. No entanto, o processo de construção de uma escola, por natureza longo, é marcado por sucessivos debates, reflexões e conflitos, bem como por exclusões, consensos e contradições. Esta será, no fundo, a riqueza e a razão de ser de uma escola, quando ela própria origina debate, suscita dúvidas e origina polémicas.
Os lados B das escolas
Uma das características desta escola, e da sua narrativa, é a noção de um legado e de uma continuidade geracional que se apoia na sucessão consecutiva de arquitectos marcantes ao longo do tempo: desde José Marques da Silva (n.1869) e Carlos Ramos (n.1897), até Fernando Távora (n.1923), Álvaro Siza (n.1933) e Eduardo Souto Moura (n.1952). De geração em geração, estas figuras basilares pontuam e sustentam um arco temporal que percorre todo o século XX. Recentemente, o debate em torno da Escola do Porto ressurgiu com a publicação do livro Porosis. The Architecture of Nuno Brandão Costa, editado no final do ano passado pela editora Monade, que considerou Nuno Brandão Costa (n.1970) como “a nova figura da Escola do Porto, a seguir a Eduardo Souto Moura e Álvaro Siza”. Lançado em primeira mão na Bienal de Arquitectura de Chicago, em Novembro passado, o livro foi oficialmente apresentado em Portugal este mês de Janeiro, na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, por Alexandre Alves Costa, um dos principais ideólogos da construção da Escola do Porto. No lançamento, Alves Costa afirmou: “A geração sequente da obra de Souto de Moura, a que pertence o Nuno Brandão, e profundamente tocada por ela, não assume a ruptura e diz-se presa e reflexo de uma continuidade que respeita e admira, através das gerações de arquitectos que os precederam. Nesse sentido sentem-se comprometidos com a ‘Escola do Porto’, de uma forma declarada, talvez até mais do que os que imediatamente os antecederam.” Neste sentido, os editores da Monade, Daniela Sá e João Carmo Simões, ao apresentarem Nuno Brandão Costa como a próxima figura da Escola do Porto, vêm reforçar o modelo da mitologia da continuidade das narrativas oficiais de sequência dinástica e matrioska.
É curioso notar a coincidência geracional entre Nuno Brandão Costa e Pedro Bandeira. Ambos nascidos em 1970, e ambos formados nos mesmos anos 90 na FAUP, representam ambos dois modelos da Escola do Porto radicalmente diferentes. Se Brandão Costa pode representar o Lado A, da prática profissional mais alinhada com a continuidade, Pedro Bandeira poderá também representar o Lado B, da prática profissional mais experimental e provocadora. Da leitura binária da Escola, com duas faces do mesmo disco, poderemos ainda avançar para uma leitura de base poliédrica, com diferentes possibilidades e lados para explorar. Se a construção de uma identidade é feita de inclusões e exclusões, há que encontrar a dose certa para cada uma delas num modelo mais aberto ou mais fechado.
No caso de uma escola de arquitectura, como a do Porto ou Coimbra, a opção por uma identidade mais inclusiva ou exclusiva dependerá apenas dos seus intervenientes, quer sejam estudantes, professores, curadores, críticos ou investigadores. No Porto, apesar da sua longa história consolidada, foi possível acrescentar mais uma camada de interpretação, conforme se ensaiou na exposição do Lado B, e ampliar o ângulo de leitura da escola. No caso de Coimbra, com apenas 30 anos de vida, as possibilidades de construção estão ainda todas em aberto.