Indignadas com Trump, vêm das pequenas cidades à conquista de Washington
A mobilização política começou com a grande manifestação das mulheres no dia a seguir à tomada de posse do Presidente dos EUA. Um ano depois, múltiplos movimentos de activistas querem ajudar o Partido Democrata a derrubá-lo. Será que conseguem?
A eleição de Donald Trump chocou tanto Patricia Leigh que ela fez algo que não fazia desde a universidade – ir para as ruas protestar. Inspirada pela Marcha das Mulheres de 2017, no dia seguinte à tomada de posse do Presidente, esta mulher de 66 anos passou o último ano a tentar convencer os seus vizinhos nesta cidadezinha do estado de Washington, na costa Oeste dos Estados Unidos, a registarem-se para votar, e alguns a apresentarem-se como candidatos nas eleições intercalares de Novembro. Pelo meio, convoca reuniões para definir a melhor estratégia para ganhar as eleições nesta zona tradicionalmente conservadora.
A partir deste vale pouco povoado, aninhado entre os picos da Cordilheira das Cascatas e florestas de pinheiros com neve, Leigh e um grupo de novos activistas políticos querem ajudar os democratas a conquistar o controlo do Congresso aos republicanos.
"Para mim, esta é coisa mais importante no nosso país em que eu posso fazer a diferença, e podem ter a certeza de que vou fazer a diferença, nem que me mate a tentar", afirmou Leigh.
No ano passado, Leigh foi uma das três milhões de pessoas que saiu à rua com barretes cor-de-rosa e cartazes de protesto contra Donald Trump nas 654 marchas das mulheres que se realizaram nos Estados Unidos. Os organizadores apelaram aos manifestantes – muitos nunca tinham sequer participado num protesto – que se mantivessem activos politicamente e que "resistissem" à Administração Trump.
Muitos responderam positivamente ao apelo, e construíram forças políticas locais com que pretendem agitar as eleições, inclusivamente nas zonas rurais que são o coração do país Trump. Aqui, em Okanogan County, onde Trump ganhou por 20 pontos nas eleições de 2016, estes activistas celebraram vitórias modestas – vagas de registo de eleitores e a eleição de seis progressistas que passaram a dominar no município de uma pequena cidade.
Agora começam a olhar para eleições com prémios maiores em jogo. Transformam as suas casas de montanha e lojas rurais em sedes do movimento anti-Trump, concentrado-se em assumir o controlo do Congresso nas eleições de Novembro. Agora que a Marcha das Mulheres voltou às ruas, e se mostra como um movimento que tenta também afirmar-se politicamente, com o objectivo de eleger candidatos, debate-se se esta fúria e paixão será suficiente para levar um número de democratas suficientes à vitória para bater os republicanos.
Do local para o nacional
“O que andamos a dizer é que se conseguirmos influenciar as pessoas de forma local, devemos conseguir espalhar este movimento de forma mais geral”, disse Terry Karro, 66 anos, uma advogada de Twisp, na região do vale de Methow, no estado de Washington. “Mas talvez eu seja uma ingénua.”
Ela era uma das cerca de 800 pessoas que se juntaram numa zona comercial em Twisp, para fazer uma Marcha das Mulheres há um ano – quase duplicaram a população da cidade.
Com um afluxo recente de reformados e proprietários de uma segunda casa, vindos de cidades costeiras, esta zona é uma ilha relativamente progressista em Okanogan County, que vota resolutamente no Partido Republicano. Aqui, a economia ainda está a tentar recuperar do colapso da indústria madeireira na década de 1980.
Ann Diamond, que foi uma das participantes na marcha de Twisp em 2017, é agora candidata a um lugar na câmara dos representantes do estado de Washington. Concorre como independente, contra um republicano que ocupa o lugar há 15 anos. Diamond, médica, candidata-se por estar indignada com o que o Partido Republicano está a fazer para tentar acabar com o Obamacare. “O nosso Governo parece ter deixado de nos representar”, afirma.
Diamond e outros candidatos progressistas da região não devem ter de procurar muito este ano para encontrar voluntários motivados pela Marcha das Mulheres.
Sheela McLean, de 63 anos, foi à marcha de Washington, e voltou para casa a sentir-se culpada por ter passado grande parte da sua vida afastada da política. Ela foi uma das primeiras mulheres guardas florestais contratadas pelos Serviços Florestais dos EUA e, embora tenha passado décadas a tentar provar a sua capacidade física aos seus superiores – até tem cinto negro de karaté – ignorou os assuntos políticos que são importantes para ela. "Compreendi que tinha de demonstrar politicamente o que me interessa. Agora estou a fazer isto", explicou, sacando de uma pilha de boletins de inscrição de eleitores.
Dúvidas
Mas os líderes do Partido Democrata, e os analistas políticos, dividem-se quanto à eficácia desta mobilização das bases. Duvida-se que seja suficiente para ultrapassar dificuldades como a falta de uma liderança forte, um claro candidato alternativo a Trump, a falta de financiamento do Comité Nacional Democrata e a luta interna entre os grupos de activistas ligados ao partido, que limita os esforços de colaboração.
"Seria bom que houvesse alguma direcção estratégica para estes esforços e não apenas valores gerais que partilhamos", comentou Dayna L. Cunningham, directora executiva do Laboratório de Inovadores de Comunidade do Instituto de Tecnologia do Massachusetts, que no ano passado identificou mais de 1100 organizações progressistas que se estavam a posicionar em oposição à agenda do Presidente Donald Trump. "Seria bom ter alguma coordenação a nível superior, divisão de trabalho e estabelecimento de objectivos."
Já outros, incluindo alguns conservadores, dizem que o Partido Republicano está prestes a enfrentar uma tempestade, ainda que a esquerda americana continue tão desorganizada. "As bases do Partido Democrata assumiram a tarefa de se organizarem a si próprias. Isto devia ser preocupante" para os republicanos, afirmou Evan Siegfried, um consultor e comentador ligado a este partido. "A Marcha das Mulheres dispôs o cenário para esta situação. E agora estamos a ver várias corridas ao mesmo tempo."
Exclusivo PÚBLICO/Washington Post