As directas não aumentam a qualidade da democracia
As directas foram introduzidas em Portugal para — supostamente — abrir os partidos à sociedade civil, permitindo maior escolha aos cidadãos. Mas na verdade elas foram um passo na direcção errada.
Hoje, mais de 70 mil militantes estão convocados para escolher o próximo líder do PSD, Rui Rio ou Pedro Santana Lopes. Os candidatos percorreram Portugal de norte a sul para mobilizar os seus eleitores e defrontaram-se em três debates. Ao longo dos últimos dias, a cobertura mediática tem-se centrado sobre as diferenças entre candidatos e o lugar ideológico que o PSD deveria ocupar no nosso sistema partidário. As previsões são arriscadas, tendo em conta a dificuldade em fazer sondagens aos militantes.
No entanto, há uma questão mais importante, que está a montante do debate sobre o duelo Rio-Santana, a saber, a própria natureza da eleição de hoje. As directas foram introduzidas em Portugal para — supostamente — abrir os partidos à sociedade civil, permitindo maior escolha aos cidadãos. Mas na verdade elas foram um passo na direcção errada, porque não contribuem para a qualidade da democracia. Pelo contrário: trata-se de uma americanização da política que mina os partidos por dentro, enfraquecendo-os.
As directas vieram retirar, decisivamente, poderes ao único órgão — o congresso partidário — que contrariava o poder do líder. E como é que chegámos aqui? O primeiro partido a avançar para a eleição directa do líder foi o Partido Socialista em 1998, tendo António Guterres sido o primeiro secretário-geral eleito dessa forma. Ao inovar nesse sentido, o PS inicia uma trajectória que empurra os restantes partidos na mesma direcção. A partir do momento em que um líder é eleito de forma directa, os outros não quiseram ficar atrás na legitimação pelas urnas. Mesmo que a mobilização dos militantes raramente seja elevada, como é o caso em várias das eleições deste tipo que já tivemos em Portugal. E se anuncia para hoje também.
Em 2006, o PSD seguiu o mesmo caminho, tendo Luis Filipe Menezes e Pedro Santana Lopes sido os principais defensores das directas nesse partido. É preciso realçar que no caso do PSD este esvaziamento do congresso foi talvez o mais brutal. É que, em parte devido à morte prematura do seu líder histórico, as mudanças de líder foram muito mais frequentes neste partido, e o congresso era de facto o fórum por excelência onde as várias fações do partido se digladiavam. Agora tudo acontece muito mais às escuras, na organização de militantes para eleger este ou aquele candidato.
Ao mesmo tempo que esvazia os partidos, as directas tornaram os líderes partidários ainda mais dependentes dos media. Estes para chegarem aos militantes só têm uma forma de o fazer: estar cada vez mais presentes nas televisões. Essa mediatização excessiva desvirtua o debate político em Portugal, que fica subordinado à imagem dos candidatos e do soundbite, em detrimento de um debate mais aprofundado. Além disso, deixa completamente de lado o papel que os partidos poderiam ter em promover a aproximação dos eleitores à política.
Este não só é um caminho errado que tomaram os partidos portugueses, ele também é minoritário na Europa. Isso pode ver-se num livro de William Cross e Jean-Benoit Pilet, The Politics of Party Leadership, publicado em 2015, que analisa a organização partidária em 14 países europeus de 1965 a 2012. Nesse estudo, os autores mostram que nestes países só 25% dos partidos é que usam directas, tendo os restantes mantido a eleição indirecta do líder, normalmente através da eleição no congresso.
Dos países onde se começou a eleger os lideres partidários directamente, vemos Itália ou Espanha, casos de grande desconfiança em relação aos partidos e insatisfação com a democracia. Os militantes são mobilizados ou instrumentalizados para votar. Uma vez cumprida a sua função o líder domina totalmente o partido, não havendo nenhum órgão de que efectivamente dependa ou que o fiscalize. Embora possa dizer que está legitimado pelas urnas, o que se fez foi desvitalizar ulteriormente os partidos.