Oprah: a América está a enlouquecer ou a ganhar juízo?
O eleitorado americano está galvanizado com uma hipotética candidatura à presidência da famosa apresentadora de televisão. Como pode isto acontecer? A América enterra cada vez mais a política no espectáculo. Ainda na ressaca da vitória de Trump, já quer ver um duelo entre duas grandes celebridades.
A América acordou na segunda-feira com uma ideia maluca no seu cérebro confuso: Oprah Winfrey pode ser a próxima Presidente dos Estados Unidos.
Esta noção espicaça a imaginação desde que Winfrey é famosa, mas o discurso de agitar os espíritos que fez no domingo à noite, na gala dos Globos de Ouro, electrificou muitos entre os 56% de descontentes com outra personalidade televisiva, o presidente Donald Trump. A viabilidade de uma campanha Winfrey parecia, pelo menos na segunda-feira, capaz de unir os dois extremos do espectro político.
“Quero que ela seja candidata”, disse Meryl Streep ao The Washington Post logo a seguir à cerimónia dos Globos de Ouro. “Penso que ela não teria a menor intenção [de fazer o anúncio]. Mas agora não tem escolha”, acrescentou a actriz. “Oprah. #ImWithHer”, twitou Bill Kristol, o decano do neoconservadorismo e o primeiro promotor de Sarah Palin.
Chegámos ao ponto de acreditar que ser uma celebridade é um pré-requisito para vencer (já para não dizer governar)?
“Donald Trump é, indiscutivelmente, o homem mais famoso do mundo”, afirmou o estratego do Partido Republicano Rick Wilson, que nunca foi um fã de Trump. Segundo as novas regras da política, “talvez seja preciso uma celebridade para derrotar outra celebridade”.
Terá Oprah hipóteses de ganhar? “Cem por cento”, disse outro estratego republicano que trabalhou em campanhas presidenciais e que falou sob anonimato para poder especular livremente. “Se ela tentar a nomeação pelo Partido Democrata, a eleição está garantida.”
Famintos de optimismo
Será que perdemos a cabeça? Ou estamos a ganhar juízo? Tudo o que Winfrey fez foi um discurso quando recebeu um prémio pela carreira. Sim, foi um bom discurso — “Durante demasiado tempo, as mulheres não foram ouvidas ou foram desacreditadas quando ousaram dizer a verdade sobre o poder desses homens” —, mas foi só um discurso. Ainda assim, a América parece estar faminta do optimismo que é a imagem de marca de Oprah, depois de passar um ano com os maus fígados e os insultos de Trump.
“Como sempre disse, qualquer mulher que queira ter um cargo público tem de pensar como o quer desempenhar: como Elizabeth Warren, Kirsten Gillibrand, Kamala Harris, Amy Klobuchar, ou como Oprah”, disse Stephanie Schriock, presidente da Emily’s List, a organização que apoia candidatas do Partido Democrata que defendem o direito ao aborto.
A consultora do Partido Republicano Ana Navarro é mais directa: “Estamos mesmo a perguntar se um político neófito, bilionário, e estrela de televisão pode tornar-se Presidente? A América já respondeu a essa pergunta. Não sei se ela sabe muito sobre política externa ou assuntos internos. Mas que diabo, não vai concorrer contra o Churchill. Vai candidatar-se contra o Trump.”
A ideia gerou um entusiasmo pouco prudente. Segundo a CNN, duas amigas de Winfrey disseram que a apresentadora está “a pensar seriamente” em 2020. Porém, questionada nos bastidores dos Globos de Ouro, Winfrey disse que não planeia candidatar-se. Mas funcionários do Partido Democrata no Iowa estão “a apalpar terreno” em nome de Winfrey, segundo o National Journal. A congressista democrata da Califórnia Jackie Speier escreveu no Twitter: “Candidata-te, Oprah! Um exército de mulheres lutará por ti.”
O estratego republicano Fred Davis não ouviu o discurso de Winfrey em directo, mas a sua caixa de mensagens começou a encher-se pouco depois: “Pensas que o Obama fez um grande discurso — então vê a Oprah; tens de ver a Oprah; vê a Oprah.”
“Se ela quiser mesmo candidatar-se, vai ter um grande arranque de campanha”, disse Arnold Schwarzenegger, cuja carreira no cinema o ajudou a ser eleito governador da Califórnia pelo Partido Republicano. Sublinhou as características “inspiradoras” de Winfrey, assim como o prestígio do seu nome e as suas “incríveis capacidades de comunicadora”.
“Este frisson à volta de Oprah é um bom reflexo da desolação em que se encontra o Partido Democrata”, disse no Twitter Josh Holmes, ex-chefe de gabinete do líder da maioria republicana no Senado Mitch McConnell. “Estão desesperados para arranjar alguém que não pareça um esquerdalho tonto.”
Candidata-se e depois?
Já que toda a gente está a debater uma candidatura não anunciada, vamos entrar no jogo. Winfrey sai da sua mansão californiana de Montecito e declara que vai a jogo — e depois?
“Uma candidatura à presidência não é Hollywood”, diz Cornell Belcher, estratego democrata que trabalhou em sondagens para Obama. “É uma labuta feia, cruel e esgotante. É ir a lugares muito pouco glamourosos e aparecer nas feiras. Para se ter uma campanha bem sucedida são precisas várias coisas: dinheiro, infra-estruturas e descobrir um nicho. Dito isto, creio que no ambiente actual — e nem acredito que estou a dizer isto —, e se Oprah decidir ir a jogo, pode ser a favorita.”
Há oito anos, o anúncio mais violento da campanha de John McCain contra Barack Obama chamava-se “Celebridade” e equiparava-o a Paris Hilton: superfamoso, mas sem qualificações para o mais importante trabalho da nação.
Mas depois de a candidatura de Donald Trump ter esmagado as noções pré-existentes de procedimentos, referências e decência, porque não eleger a mulher que nos fez confidências sobre as suas dietas ioiô e que se posiciona sempre no lado positivo e autoconfiante da vida.
A fama costumava ser um problema. Agora é um meio de chegar a um fim numa época de primárias muito fraca. A afluência às urnas nas primárias está muito baixa, explica Joe Trippi, que em 2004 dirigiu a campanha do ex-governador do Vermont Howard Dean. “Cerca de 7% dos eleitores nomearam Barack Obama. Quando nem sequer 10% da população vota, é tudo o que é preciso.”
Para senadores e governadores é muito difícil apanhar esses votos. É menos difícil para alguém com nome feito. Belcher diz que Oprah seria a favorita nas primárias democratas no Iowa e no New Hampshire. Ela venceria “seguramente” na Carolina do Sul — o que levaria a uma vitória na Georgia, Mississippi e numa série de estados do Sul.
Mas será que é isto que a América quer? Será que ficamos confortáveis se a mulher que nos manda “viver a melhor vida” tiver de ordenar ataques com drones que chacinem festas de casamento? Queremos ouvir Oprah falar do seu programa de impostos? Será que Oprah tem um programa de impostos?
Estragar a marca
A presidência degrada a imagem de quem a detém aos olhos do público. Ter Oprah como candidata significaria perdê-la como personificação beatificada do sonho americano.
“Nem todos dão bons candidatos”, diz Belcher. “Não vou dizer que Oprah é uma má candidata: acho que nem sabemos isso. Mas ela nunca teve de levar um murro. Nunca foi o alvo das pessoas que ganham a vida a encontrar os podres dos outros.”
Irão os conservadores e a Casa Branca de Trump explorar os capítulos mais suspeitos da carreira de Oprah, como o seu apoio aos controversos drs. Phil e Oz, ou o seu patrocínio ao livro de auto-ajuda de 2006 O Segredo, que convenceu milhões de pessoas de que poderiam enriquecer se o desejassem muito? Mal acabou o seu discurso, começaram a surgir no Twitter fotografias de Winfrey em confraternização com o produtor caído em desgraça Harvey Weinstein, acusado de ter abusado de mulheres durante anos.
Winfrey arriscaria arruinar a sua marca estável e popular, que construiu durante 35 anos na indústria do entretenimento, do jornalismo e da filantropia. “A marca Trump perdeu fôlego”, diz Rick Tyler, antigo porta-voz de Ted Cruz e Newt Gingrich. “Os seus hotéis e os seus campos de golfe são de grande qualidade, e o seu nome costumava ser associado a esse tipo de qualidade, mas acho que a maior parte dos americanos já não pensam nele dessa maneira. Não sei se Oprah quer fazer o mesmo à sua marca — nem sei porque o faria.”
A América só quer um bom espectáculo, como ficou provado na ascensão de Trump, e talvez não haja melhor combate — nem Ali contra Frazier — do que Oprah contra Trump em 2020. Mas saberiam os media comportar-se? E iria o público americano dividido sobreviver?
“Não tenho a certeza de que o país precisasse de uma coisa assim, ou que esteja preparado para uma batalha de cultos”, disse John Weaver, que foi o principal estratego de John Kasich, o governador republicano do Ohio que se candidatou à nomeação em 2016. “Não haveria regras. Só Deus sabe, mas historicamente o que vemos no Presidente seguinte é sempre diferente do anterior. Obviamente Oprah tem um temperamento diferente, mas também vem do meio das celebridades. E as primeiras pessoas que tentariam derrotá-la seriam os outros candidatos democratas.”
Claro que os democratas de sempre e os republicanos que nunca apoiaram Trump gostariam de ver a crise de nervos que a candidatura de Oprah iria causar no inquilino da Casa Branca. Se ela avançar, provocaria uma ferida psicológica a Trump, se não mesmo uma ferida política, diz Steve Schmidt, conselheiro de McCain em 2008.
“Oprah é, de facto, uma self made bilionária; Trump faz de conta que é”, diz Schmidt. “Oprah é uma estrela de televisão gigante, maior do que Trump alguma vez foi. Finalmente, ela é uma mulher afro-americana poderosa e inteligente, e Trump parece ver os afro-americanos como ameaças ou críticos.”
Winfrey já demonstrou o seu poder para mobilizar as pessoas. O seu apoio a Barack Obama valeu o milhão de votos crucial para afastar Hillary Clinton nas primárias democratas de 2008, concluiu um estudo da Northwestern University sobre o apoio de celebridades a políticos. A presidência Obama seria, de alguma forma, o antepassado espiritual da candidatura Oprah. “Obama foi o primeiro a quebrar o molde em 2008”, diz Trippi notando que fintou o partido para conseguir a nomeação. “Em 2016, Trump apenas fez o mesmo — diz Trippi — e sabem que mais? Em 2020 vai ser Oprah Winfrey. Ou é Oprah ou Kanye West.”
com Steve Zeitchik, Ben Terris e Karen Tumulty
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post