O “Brexit” é reversível? Deputados escoceses querem que tribunal europeu decida
Instância judicial máxima da Escócia aceita acção que visa determinar se o Reino Unido pode de forma unilateral travar o processo de saída da UE.
Um tribunal escocês aceitou dar seguimento a uma acção que visa determinar se o Reino Unido pode, de forma unilateral, parar o processo de saída da União Europeia posto em marcha quando a primeira-ministra, Theresa May, accionou em Março o artigo 50 do Tratado de Lisboa.
A acção foi apresentada por sete deputados de todos os partidos com assento no parlamento escocês, com excepção dos conservadores, e o Governo britânico tem agora três semanas para responder, antes de o Tribunal de Sessão, a instância civil suprema do sistema judicial da Escócia (autónomo do de Inglaterra) marcar uma data para ouvir as partes. A intenção dos autores é que o caso acabe por chegar ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a instância máxima e a única com poder para fazer jurisprudência definitiva sobre leis europeias.
O artigo 50, o único roteiro para a nunca antes testada saída de um Estado-membro, é omisso sobre a possibilidade de um país recuar depois de ter notificado o Conselho Europeu da decisão de abandonar a União. Em contrapartida, estipula claramente que os dois anos previstos para as negociações de saída podem ser prolongados mediante decisão unânime dos restantes Estados-membros.
A questão paira sobre a política britânica desde o referendo de 2016 e, mais ainda, desde que na semana passada o Parlamento aprovou, à revelia do Governo, uma emenda à lei do “Brexit”, estipulando que os deputados terão de aprovar o acordo que May negociar com a UE, o que no caso de o artigo 50 não ser reversível poderia ter como consequência uma saída sem acordo.
Vários especialistas, incluindo John Kerr, o antigo diplomata britânico que participou na redacção do artigo 50, afirmam que nada impede o Reino Unido de parar o processo. “O artigo 50 é baseado no princípio de que a saída da EU é uma decisão unilateral. Ninguém pode forçar um Estado a sair, ninguém pode impedi-lo de sair”, escreveu no Twitter nesta semana o francês Jean-Claude Piris, antigo director dos serviços jurídicos do Conselho Europeu e considerado um dos maiores peritos em legislação europeia.
Mas ainda no início desta semana, numa entrevista ao jornal Guardian, Michel Barnier, chefe dos negociadores da Comissão Europeia, assegurava que o “Brexit” só poderia ser travado mediante a aprovação unânime dos restantes 27 Estados-membros. O Governo britânico considera a questão irrelevante, sublinhando que saída britânica da UE resulta de uma decisão soberana tomada pelos eleitores em referendo – uma opinião partilhada pelos eurocépticos, que vêem nestas iniciativas uma tentativa para inverter uma decisão popular. Os defensores da permanência afirmam, por seu lado, que o país não pode ficar preso à decisão tomada em 2016, no caso de um mau acordo com Bruxelas ou de as negociações terminarem sem um entendimento.
“Sabemos que é possível permanecer na UE se os outros Estados permitirem. Mas os especialistas acreditam que o nosso Parlamento pode retirar a notificação sem a permissão deles”, lê-se numa declaração apresentada pelos sete parlamentares, todos anti-“Brexit”. “Há apenas uma forma de ter a certeza: um tribunal tem de decidir aquilo que o artigo 50 estipula.”