Respeitem os trabalhadores da Autoeuropa
É altura de o Governo assegurar as condições para que a Autoeuropa seja parte integrante da nova fase da estratégia produtiva da Volkswagen.
Falar da Autoeuropa é falar de homens e mulheres que ao longo da sua vida profissional têm dado um contributo inestimável para o aumento da produção nacional e para a credibilização da imagem do país.
Trabalhadores com elevados níveis de competência e sentido de responsabilidade que provam no dia-a-dia serem tão produtivos como outros, nomeadamente os alemães, apesar de receberem um salário muito inferior.
Homens e mulheres empenhados em produzir, no tempo estabelecido, o novo modelo automóvel, T-ROC, mas que, por uma questão de dignidade, exigem que as suas reivindicações sejam ouvidas e os seus direitos respeitados.
Uma heresia para os arautos do neoliberalismo que consideram normal que as empresas recorram a todos os meios para aumentar os lucros e anormal e irracional que os sindicatos intervenham e os trabalhadores se organizem, mobilizem e lutem para melhorar as suas condições de vida.
Os mesmos trabalhadores que ontem eram endeusados por dar aval a vários acordos são hoje enxovalhados por se oporem às propostas da administração da empresa e ostracizados por se indignarem contra uma administração que fala em diálogo social e recorre à imposição para tentar forçar a aplicação de medidas repudiadas pela comunidade laboral.
Acontece que tudo isto se passa num momento em que a Autoeuropa é reconhecida como uma das fábricas mais produtivas e o Grupo Volkswagen (VW) se encontra numa situação económica confortável. Os últimos dados conhecidos apontam para o aumento da produção, das vendas, do negócio e dos lucros, num contexto de manutenção dos custos fixos.
Neste quadro, qual é a justificação da Autoeuropa para não responder positivamente às reivindicações dos trabalhadores?
Por que razão a Administração da empresa não se dispõe a dar um passo em frente para ultrapassar o problema e encontrar a solução?
E do que está à espera para responder às propostas do sindicato da CGTP-IN (Site Sul) no que respeita aos horários de trabalho, descanso semanal, aumento do investimento em mais uma linha de montagem que permite criar uma quinta equipa, aumentar o emprego e garantir de forma inequívoca a produção das 240 mil unidades?
Por muito que alguns pretendam fazer crer, o conflito laboral na Autoeuropa não resulta de confrontos entre a CT e os sindicatos nem de qualquer manipulação partidária, mas de um descontentamento generalizado dos trabalhadores que se vem expressando de forma clara e inequívoca ao longo dos últimos anos.
O que hoje se discute é o direito dos trabalhadores serem parte activa na discussão e decisão sobre a organização e gestão do tempo de trabalho face à importância deste para a retribuição, a saúde, o repouso e a articulação da vida profissional com a vida pessoal e familiar. Uma questão que não pode ser tratada como um slogan no discurso de governos e empresas e depois remetida para o rol do esquecimento como tema de menor importância no confronto entre o trabalho e o capital.
Este é um assunto relevante nos tempos que correm, não só para os trabalhadores da Autoeuropa mas também para os das empresas que vendem serviços à VW e os assalariados em geral.
O que está em movimento é uma estratégia mais vasta de desregulação dos horários e de preparação faseada de regresso ao passado em que o sábado era considerado um dia de trabalho normal, logo sem pagamento de trabalho suplementar e inserido numa semana de seis dias de trabalho.
Uma questão central que se insere numa ofensiva mais geral que visa a redução da retribuição e deixa os trabalhadores reféns da unilateralidade patronal na definição dos horários e dos descansos semanais.
Não, o caminho não pode ser este, tanto mais que a estabilidade social não se assegura com a desregulação laboral, mas com a valorização do trabalho e dos trabalhadores e dos seus direitos.
Os vários exemplos ao longo dos anos já demonstraram que o dinheiro nunca foi um problema de fundo para a VW, como se constatou recentemente pelos mais de 25 mil milhões de euros que já assumiu pagar pelo designado escândalo “Dieselgate” nos Estados Unidos da América.
Aliás, é interessante que ainda recentemente os mesmos que invocaram o prejuízo resultante da greve para a empresa (então e as greves não têm essa função para forçar as entidades patronais a responder às reivindicações dos trabalhadores?) agora primaram pelo silêncio com a paragem da produção devido à falta de componentes, cujo início teve lugar na passada sexta-feira e se vai prolongar entre os dias 26 e 29 de Dezembro.
Haja, pois, rigor e seriedade na abordagem do assunto e um combate firme à chantagem e à mentira, como a que é invocada (responsabilidade dos trabalhadores) para a saída da Opel de Portugal.
A verdade é que ela se deveu a uma estratégia da multinacional baseada no encerramento das fábricas mais pequenas e na concentração em outras de maior dimensão na Europa Ocidental, onde os trabalhadores até tinham salários mais elevados, como foi o caso de Espanha, e na abertura de uma grande fábrica na Rússia, em São Petersburgo, para rentabilizar o potencial de vendas de viaturas naquele país.
Por mais que os profetas da desgraça se esforcem em tornar realidade os seus desejos, não é isso que se perspectiva para a Autoeuropa.
Os trabalhadores já provaram que estão empenhados na consolidação e desenvolvimento da fábrica, num quadro em que, cumprindo com os seus deveres, exigem que os seus direitos individuais e colectivos sejam respeitados numa lógica de harmonização social no progresso e não no retrocesso.
A CGTP-IN considera que este é o momento certo para discutir uma estratégia de médio e longo prazo para a fábrica.
Neste sentido, e no momento em que a VW já chegou a um acordo com o Governo alemão relativamente à substituição de uma parte da produção dos carros com motor a combustão por viaturas com motor eléctrico, assim como às condições de condicionamento da circulação dos primeiros e apoios à comercialização dos segundos, é altura de o Governo português assegurar as condições necessárias junto da multinacional para que a Autoeuropa seja parte integrante desta nova fase da estratégia produtiva da VW.
Aqui fica a proposta que já foi apresentada ao Governo e que se espera seja tratada em tempo útil, para bem dos trabalhadores, do emprego e da economia do país.