Carta aberta das sardinhas aos cidadãos de Portugal e Espanha
Em 2016, os cientistas recomendaram que os dois países não pescassem mais do que 1587 toneladas de sardinha. Mas a quantidade pescada atingiu as 22.700 toneladas.
Nós, as sardinhas de Portugal e Espanha, somos orgulhosamente parte da cultura e da gastronomia dos vossos países. Queremos continuar a sê-lo e, se não forem vocês, cidadãos de Portugal e Espanha, a protegerem-nos, as únicas sardinhas que irão conhecer no futuro serão as do concurso das Festas de Lisboa. Contamos convosco para convencerem os governos dos vossos países a nos protegerem da única forma possível: não permitindo que nos pesquem em 2018.
As sardinhas de Portugal e Espanha estão em perigo. Desde 2009 que somos muito menos do que devíamos ser, e atualmente somos apenas 60% das sardinhas que deveria haver no mar. Isto deve-se provavelmente às mudanças na temperatura do mar, fruto das alterações climáticas, mas foi certamente exacerbado pela pesca excessiva: desde 2011, os sucessivos governos dos vossos países autorizaram que se pescasse mais 20% das nossas camaradas do que os cientistas recomendavam. É impossível os governos de Portugal e Espanha controlarem o “termóstato” do oceano; é perfeitamente possível controlarem quanta sardinha se pesca.
Nós, as sardinhas de Portugal e Espanha, acreditamos na pesca sustentável e sabemos que, sem sardinhas, não há pesca da sardinha. Só parando a pesca conseguiremos ter tempo para crescermos mais, e só crescendo mais poderemos reproduzirmo-nos mais. Se a pesca parar no próximo ano, no futuro poderemos voltar a servir de alimento aos animais marinhos que sempre se alimentaram de nós; poderemos voltar a dar rendimento aos pescadores que tanto nos pescam a nós como outros peixes; e poderemos voltar a dar momentos de alegria aos portugueses e espanhóis que tanto nos apreciam.
Estamos muito satisfeitas com o parecer dos cientistas europeus para que não nos pesquem em 2018. Este parecer tem em conta os nossos interesses e os vossos, cidadãos de Portugal e Espanha, e baseia-se na melhor ciência disponibilizada pelos vossos cientistas.
Nós, as sardinhas de Portugal e Espanha, compreendemos que os armadores estejam muito preocupados. Mas a verdade é que há vários anos que a nossa situação é péssima, e sempre se opuseram à aprovação de medidas que nos protejam a nós diretamente, e a eles no médio prazo. Este imediatismo tem de acabar, pois prejudica-nos a todos: sardinhas, pescadores e consumidores.
Denunciamos ainda os governos dos dois países pelo estado a que chegámos. Um exemplo recente: os cientistas recomendaram que Portugal e Espanha não pescassem em 2016 mais do que 1587 toneladas de sardinha; os governos dos dois países decidiram que a pesca de sardinha poderia atingir as 14.000 toneladas nesse ano (oito vezes mais!); e a quantidade de sardinha pescada nesse ano pelos dois países atingiu as 22.700 toneladas (14 vezes mais!).
Em Portugal, o governo propôs outras medidas que não a proibição da pesca, incluindo: mais investigação, cujos resultados só devem ser conhecidos daqui por uns anos; fazer repovoamento, o que requer investigação ainda por fazer; definir limites de pesca de sardinha diários, que já existem há vários anos. Mas nenhuma destas medidas foi recomendada pelos cientistas para a pesca da sardinha.
Face à acelerada degradação das nossas condições de vida, que resulta diretamente da visão de curto prazo dos governos e do setor da pesca, damos uma última oportunidade para que se tome a medida adequada para nos proteger. Se não pararem a pesca da sardinha em 2018, não temos alternativa senão migrar para águas mais a norte onde as recomendações científicas são levadas a sério e as sardinhas respeitadas.
Apelamos assim aos cidadãos de Portugal e Espanha para que comam outros peixes que não as nossas camaradas. Há cavala, carapau, e tantas outras variedades de peixe na nossa costa (mais de 200) que a vossa escolha não será difícil.
Apelamos ainda para que vocês, os cidadãos de Portugal e Espanha, exijam aos vossos governos o cumprimento das recomendações dos cientistas, não permitindo a pesca da sardinha em 2018. Só assim conseguiremos recuperar e existir em quantidades suficientes — no curto, médio e longo prazo — para alimentar quem de nós depende.