O fim da Pax Americana e a Nova Ordem Económica Asiática
A hegemonia norte-americana na Ásia Oriental tem os dias contados. A viragem crítica começou em 1997.
Donald Trump visita esta semana a Ásia Oriental. Uma viagem de dez dias que o leva a Tóquio, Seul, Pequim, Danang (Vietnam) e Manila e que será dominada por relações comerciais e em juntar apoios locais para uma maior pressão sobre a Coreia do Norte. A viagem é vista como uma oportunidade para contrariar as impressões no final de um ano de mandato. Logo após ter assumido a presidência, Trump retirou os EUA do acordo que daria lugar à maior área mundial de comércio livre, a Parceria Transpacífico. Os seus comentários pouco presidenciais no Twitter, quer em disputas verbais com o líder norte-coreano ou sobre o comportamento dos seus aliados na região, pouco ajudam e têm levantado sérias dúvidas sobre o compromisso real de Washington para com a região. Independentemente do (in)sucesso da viagem, a verdade é que a hegemonia norte-americana na região já tem os dias contados. E a viragem crítica começou em 1997.
Este ano marca o 20.º aniversário da pior crise financeira a atingir a Ásia Oriental, que obrigou à intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para salvar da bancarrota países como a Tailândia, Indonésia e Coreia do Sul. Uma crise que causou o colapso de países considerados poucos anos antes pelo Banco Mundial como “milagres económicos” e que lançou milhões no desemprego e pobreza. Uma crise provocada pela falta de uma regulação forte para uma liberalização financeira prematura e pressionada activamente nos anos anteriores por instituições multilaterais e Wall Street. Os líderes asiáticos lembram-se bem de como ao seu apelo para uma nova governação financeira global os Estados Unidos (e a Europa também) aconselharam antes a região a procurar ajuda junto de quem mais temiam, o FMI. A humilhação não foi esquecida.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a região beneficiou da Pax Americana graças ao papel de Washington como principal parceiro comercial e militar do Japão, Coreia do Sul, Taiwan e da maioria dos membros da Associação dos Países do Sudeste Asiático (ASEAN). A Pax Americana permitiu à Ásia Oriental transformar as suas economias, dar prosperidade (e maiores liberdades políticas) a uma grande fatia da sua população através do acesso ao mercado norte-americano e à protecção militar face a ameaças externas. A política de proximidade de Washington fortaleceu e ajudou a legitimar a sua hegemonia regional. Mas a crise financeira de 1997 e a pressão de Washington, na altura liderada por Bill Clinton, bem como do FMI e de Wall Street para fortes medidas de austeridade como resposta à crise, sem se ter em conta as suas consequências políticas, económicas e sociais, mostrou aos líderes asiáticos que era chegada a altura para se organizarem e procurarem soluções regionais.
Nos últimos 20 anos, as relações económicas intra-asiáticas têm vindo a crescer rapidamente e a ganhar peso, reduzindo a dependência passada face aos mercados norte-americano e europeu. Primeiro, através de diálogos e encontros permanentes apenas entre líderes asiáticos e destinados a aprofundar o debate político como as cimeiras regionais da ASEAN+3 (que junta os países da ASEAN à China, Japão e Coreia do Sul). Lançada em 1997, a ASEAN+3 tem hoje 67 mecanismos a funcionar — entre cimeiras, encontros ministeriais e técnicos —, promovendo a cooperação regional num conjunto vasto de áreas políticas, económicas e sociais. O Fórum Regional da ASEAN e a Cimeira da Ásia Oriental são outras duas iniciativas regionais que servem para construir confiança entre as lideranças regionais e expandir a cooperação em encontrar soluções para problemas comuns económicos, políticos e sociais.
Segundo, mecanismos financeiros destinados a promover a integração financeira regional como a Iniciativa Chiang Mai ou o Mercado Asiático de Obrigações têm vindo a ganhar forma. A Iniciativa, lançada em 2000 na cidade tailandesa, é um acordo multilateral de divisas com o objectivo de combater uma eventual crise de liquidez de curta duração similar à de 1997. Caso seja necessário, o membro afectado poderá recorrer à Iniciativa para ter acesso a divisas (dólares). A Iniciativa dispõe actualmente de 240 mil milhões de dólares, tendo começado com 120 mil milhões de dólares, com 80% das contribuições provenientes da China, Japão e Coreia do Sul. Originalmente promovida pelo Japão, esta iniciativa continua a ser vista como um potencial Fundo Monetário Asiático.
Por outro lado, a crise regional ofereceu a oportunidade para se desenvolver um mercado asiático de obrigações. Um mecanismo dando aos actores empresariais regionais acesso a títulos de dívida de longa duração e emitidas em divisas locais para reduzir a sua vulnerabilidade e dependência face a empréstimos externos, em dólares e de curta duração. Nas últimas décadas, o mercado regional de obrigações tem crescido rapidamente, tal como indicam os relatórios regulares do Banco Asiático de Desenvolvimento.
Finalmente, o facto mais relevante desde a crise financeira asiática de 1997 foi a oportunidade oferecida a Pequim para ocupar o lugar de Washington como principal parceiro comercial de todos os países da região. Relações cada vez mais interdependentes graças às cadeias de produção industriais desenvolvidas na região. Nos últimos anos, o lançamento do Banco Asiático de Investimentos em Infraestruturas (BAII), da Iniciativa Faixa e Rota (ou Nova Rota da Seda) e da internacionalização da moeda chinesa, dando lugar ao que alguns já denominam de “Bloco Renmimbi” na região (há mais moedas regionais a seguirem os movimentos da moeda chinesa do que a moeda comercial tradicional, o dólar), podem ser considerados como novos passos dados por Pequim para consolidar esses laços e centrar em si uma Nova Ordem Económica Asiática.
Nas últimas semanas, diplomatas e militares norte-americanos parecem finalmente começar a dar corpo e substância a uma estratégia norte-americana para a Ásia, um ano depois de Donald Trump ter assumido a presidência do país. O secretário de Estado Rex Tillerson, num discurso no Center for Strategic and International Studies (CSIS) em Washington, deixou bem claro que a estratégia norte-americana para conter acções provocadoras da China na região e que minem as regras da ordem internacional vigente passará pela aliança com a Índia, Japão e potencialmente a Austrália para garantir uma maior prosperidade e segurança na região Indo-Pacífico, que inclui todos os oceanos Índico e Pacífico. Os media reportam que o diplomata norte-americano responsável por acompanhar a pasta da Coreia do Norte, Joseph Yun, tem estado em contacto com colegas norte-coreanos na missão do país nas Nações Unidas através do chamado “canal Nova Iorque”, apesar de Trump ter afirmado (no Twitter) que tais conversações eram uma perda de tempo. Entretanto, a nomeação de Randall Schriver como subsecretário da Defesa para o Pacífico (e com ligações fortes a Taiwan) e de Victor Cha como embaixador em Seul, ambos republicanos internacionalistas, bem como de Daniel Kritenbrink para embaixador no Vietname (antigo director sénior para Assuntos Asiáticos na Administração Obama), parecem indicar uma vontade de retomar a política (Pivot Asia) da anterior presidência de Obama destinada a reafirmar a presença norte-americana na região.
Pela frente tem uma China liderada por alguém que não tem escondido as suas ambições para o país e que estão intrinsecamente ligadas à região. Em 2014, Xi Jinping deixou bem claro que queria o “rejuvenescimento da nação chinesa” e que para se alcançar esse resultado as estratégias deveriam estabelecer fortes laços diplomáticos com a “periferia”, i.e., regiões vizinhas. No mesmo ano, lançou em Xangai um novo “conceito de segurança asiático”, e que na sua essência mais não é do que apelar para que a segurança na Ásia fique exclusivamente nas mãos dos asiáticos, sob o lema “A Ásia para os Asiáticos”. Com a confirmação da sua liderança e do seu pensamento na Constituição no recente 19.º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), só podemos esperar a consolidação dessa estratégia.