Novos tempos
É indiscutível que a relação de confiança sagrada entre um advogado e um cidadão seu constituinte assenta no segredo profissional. Mas tal não significa que o advogado se torne autor ou cúmplice ativo na prática de um crime.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, visando a prevenção e repressão do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, o legislador nacional deu cumprimento à transposição para a ordem jurídica portuguesa das Directivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016.
O envolvimento nacional numa luta que se trava à escala global assume uma fulcral importância para a afirmação da garantia de segurança e de credibilidade externa no desenvolvimento económico e financeiro em curso, sendo que a responsabilidade que se exige no exercício profissional dos diferentes agentes económicos e sociais é essencial para a realização de uma modernização sustentável da nossa economia.
Assim, a rejeição de transações e de operações de índole suspeita deve nortear a atividade profissional de um advogado, quando procurado para a contratação dos seus serviços, demonstrando este, de forma expressa e taxativa, a aceitação do combate aos investimentos criminosos de capitais de representantes de Estados ou de organizações que sobrevivem à margem e em desrespeito da comunidade internacional, salientando sempre a sua negação de envolvimento em qualquer atuação deste tipo.
Não é papel de um advogado a colaboração na ação de branqueamento de proveitos pecuniários de origem ilícita, mas sim de simbolizar através do seu agir um verdadeiro agente da Justiça, cujos atos sejam sempre revestidos da boa-fé pública.
Quando um cidadão ou uma empresa procura um advogado, não deve buscar um parceiro em qualquer atividade que exerça, mas um profissional de Justiça, que o possa auxiliar dentro da legalidade e da observância dos seus limites éticos e deontológicos.
O advogado, ao aceitar um serviço de consultadoria, deve assumir o dever de cuidado em conhecer e identificar devidamente o constituinte que representa, acompanhar e velar pela legalidade das transações financeiras e empresariais que aquele efetua e não participar em qualquer ação que desvirtue tais propósitos de determinação e enquadramento legal da situação jurídica do representado.
Diferente será se o advogado participar de forma consciente em atividades de branqueamento de capitais, nomeadamente, através da sua orientação direta, pois, nesse momento, passa a ser um mero agente criminoso.
Quando o advogado, fora da atuação de apreciação jurídica ou de defesa processual, atua por conta de um cliente em compra e venda de bens imóveis ou de entidades comerciais, na gestão de fundos e de valores mobiliários ou de outros ativos patrimoniais, na abertura ou no gerir de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários, na organização dos fundos necessários à criação, à exploração ou administração de sociedades, na criação de trusts ou de estruturas análogas, se tomar conhecimento de factos que se saibam ou suspeitem de forma fundada de terem ligação ao branqueamento de capitais ou ao financiamento de terrorismo deve informar imediatamente o bastonário da Ordem dos Advogados, que atuará em conformidade legal, sendo esta uma obrigação atual em virtude da nova lei, mas que já conhecia consagração legal em diploma anterior.
Atualmente, protegido está e estará sempre o conceito de determinação da situação jurídica por conta do cliente ou do exercício da sua defesa ou representação em processo judicial.
É indiscutível que a relação de confiança sagrada entre um advogado e um cidadão seu constituinte assenta no segredo profissional. No entanto, tal não significa que o advogado se torne autor ou cúmplice ativo na prática de um crime, na sua conceção e execução operacional, não podendo o segredo profissional servir de escudo à marginalidade criminosa.
É dever da Ordem dos Advogados promover a cooperação institucional, estando atenta e participante nas estruturas públicas existentes e nas quais tem legítimo assento, envolvida neste combate mundial de defesa do Estado de Direito, dos valores democráticos e de uma economia segura contra as atividades criminosas e terroristas atuais. Deve a Ordem dos Advogados pugnar de forma sustentada por melhorias legislativas, pela proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos mas, igualmente, por um melhor exercício profissional, visando a modernização dos procedimentos de controlo em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, que garantam uma prática esclarecida da advocacia, nomeadamente, através de uma criteriosa definição de atos próprios do advogado, atualizando-se a lei ainda em vigor. De igual modo, tem de promover uma cultura da legalidade e dar formação adequada aos jovens advogados, acompanhando e aconselhando a forma de se evitar situações de risco e de tentação de lucro fácil e imediato, numa orientação visando a modernização dos escritórios e das suas práticas de relacionamento com os clientes, auxiliando na implementação de regras de cumprimento do dever de identificação e de diligência, bem como fomentando a atualização de conhecimento e de meios para o adequado funcionamento profissional. Este será o caminho.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico