Tony Silva e a recuperação económica
A austeridade foi contracionista, adiou a recuperação económica quase uma década, destruiu milhões de vidas e potencial de crescimento de forma permanente.
Tony Silva é uma personagem que foi criada pelo comediante Herman José nos anos 1980. Tony Silva, cantor, afirmava ser ele o criador de toda a música ró (o rock português da época) e até das músicas cantadas pelo Frank Sinatra, sendo que a autoria das várias músicas lhe tinha sido roubada.
A recuperação económica portuguesa tem feito eco, fora e dentro de portas. O senhor Jean-Claude Trichet, antigo presidente do Banco Central Europeu (BCE), e o senhor Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha, afirmaram, recentemente, terem sido as suas políticas de austeridade as grandes responsáveis da recuperação económica portuguesa e europeia. Acontece que o verdadeiro autor da recuperação foi o senhor Mário Draghi, com a sua afirmação, em julho de 2012, que faria o que fosse necessário para salvar o euro (colocando o BCE a assumir-se como credor de último recurso dos Estados da Membros da zona euro) e, mais tarde, a partir de março de 2015, com a política de quantitative easing do BCE.
Não foi a austeridade (que diziam expansionista), introduzida à força no debate político europeu pelo senhor Trichet (que subiu as taxas de juro de referência do BCE em julho de 2011, em plena crise das dívidas soberanas da zona euro) e defendida com unhas e dentes pelo Eurogrupo (sob a batuta do senhor Schäuble), a responsável pela presente recuperação económica portuguesa e europeia. Pelo contrário, a austeridade foi contracionista, adiou a recuperação económica quase uma década, destruiu milhões de vidas e potencial de crescimento de forma permanente, perpetuou boa parte da juventude no desemprego, virou uns europeus contra os outros e abriu o caminho ao ressurgimento dos nacionalismos no continente. Sem ideias irrealistas, como a da referida austeridade expansionista, os Estados Unidos recuperaram muito mais rapidamente da crise financeira internacional, apesar de estarem no epicentro da mesma. Na Europa, não fosse o atenuar da austeridade por via das intervenções do senhor Draghi, sempre com a oposição do senhor Jens Weidmann (presidente do Banco Central Alemão, o Budensbank, e candidato ao lugar do senhor Draghi), e, quem sabe, a União Europeia já tinha desaparecido do mapa. Ao reclamarem como da sua autoria a presente recuperação económica, o senhor Trichet e o senhor Schäuble parecem sofrer do complexo de Tony Silva.
A política doméstica acompanha a política europeia. Foram as políticas europeias do senhor Trichet e do senhor Shaüble que conduziram o continente, em geral, e Portugal, em particular, ao buraco económico dos últimos dez anos. Foram as políticas do senhor Draghi, com todas as suas limitações, que, ao aliviarem a austeridade, por via do abaixamento dos juros e da depreciação do euro, deram uma possibilidade de saída do dito buraco, à Europa, em geral, e a Portugal, em particular. Para o bem e para o mal, o país já não vive orgulhosamente só há mais de quatro décadas. E, no entanto, em Portugal, é como se tudo fosse obra dos políticos portugueses: a entrada na crise e a saída da mesma. A classe política portuguesa parece sofrer do complexo de Tony Silva. Por exemplo, os responsáveis políticos do anterior governo afirmam que as suas políticas de austeridade estão na base da presente recuperação económica do país. É verdade que o anterior governo é, em parte, responsável pela referida recuperação, não pelas políticas de austeridade, mas pelas políticas de alívio da austeridade. Conseguiu praticar estas últimas em 2015, até às eleições legislativas de outubro, muito por força dos efeitos da política de quantitative easing do BCE e também da queda do preço de petróleo nesse ano.