Efeitos da poluição luminosa
Dos impactos na saúde do ser humano e na economia às consequências da poluição luminosa na fauna e flora do planeta
Astronomia
Obrigou à deslocação de observatórios construídos próximos de cidades para regiões remotas ou à tomada de medidas de protecção do céu nas regiões próximas. Alguns tornaram-se praticamente obsoletos para fins científicos, tal passou a ser o grau de poluição luminosa nos locais.
Clima e recursos naturais
Toda a energia que consumimos tem impactos na natureza, seja na extracção e transformação de combustíveis fósseis, seja no esbanjamento de outros recursos naturais. Mesmo a energia eólica, tida habitualmente como “limpa”, tem impactos diversos nos locais onde são instalados os parques eólicos, desde impactos por poluição luminosa — as torres têm iluminação não só com luz vermelha, mas, em alguns, com intensa luz branca — à abertura de acessos em zonas de montanha sensíveis, impactos na fauna voadora, passando por impactos estéticos.
Por outro lado, tudo o que seja consumo de energia representa uma contribuição para o aquecimento global do planeta. A poluição luminosa é, assim, uma forma de contribuição para as alterações climáticas. Em 2016, Portugal assinou o Acordo de Paris relativo às alterações climáticas, em vigor desde Novembro. A redução da iluminação pública e de exterior supérflua representaria assim mais uma contribuição para a redução de emissão de CO2 de origem antropogénica.
Criminalidade
Não há provas científicas cabais de que a redução da luz se traduza em aumento de criminalidade. Porém, para além da estética e da promoção de animação nocturna, a percepção generalizada de mais luz promover maior segurança tem sido um dos factores principais para as autarquias (em todo o mundo) justificarem o reforço da iluminação.
Economia
A iluminação pública e de exterior representa uma parcela não negligenciável da electricidade consumida no país pelas autarquias. Considerando que se utiliza luz a mais para a generalidade dos efeitos pretendidos e que uma percentagem importante dessa luz é totalmente perdida para o céu (mal dirigida ou iluminando zonas em que não é necessária), é de desperdício que se trata.
Fauna
As aves migradoras, que se orientam pela Lua ou estrelas, desorientam-se com as luzes da costa ou das cidades. Tendo como referência astros que, para efeitos de navegação, estão no “infinito”, a aproximação inesperada das aves a fontes de iluminação em terra confunde-as e provoca, por colisão, a morte de muitas delas. No Canadá, por exemplo, a organização Fatal Light Awareness Program, fundada em 1993, tem programas de sensibilização e envolvimento dos cidadãos para o problema da colisão de aves com edifícios. Segundo esta organização, só nos EUA morrem entre 100 a 1000 milhões de aves por colisão todos os anos.
Nos répteis, salientem-se algumas espécies de tartarugas marinhas, cujas crias, logo após a eclosão dos ovos nas praias, se orientam pela ténue cintilação no mar e se dirigem de imediato para ele. Na presença de luz nas praias, as crias desorientam-se e dirigem-se em sentido contrário ao do mar, ficando à mercê de predadores, sendo atropeladas ou morrendo por exaustão. Após pressão de entidades como a International Dark-Sky Association, algumas regiões nos EUA (Florida) desligam ou reduzem as luzes na altura da eclosão dos ovos.
Os insectos são também atraídos pelos candeeiros, provocando não só desequilíbrios nos ecossistemas — em benefício provisório de algumas espécies de aranhas, que disso se aproveitam —, como, no caso particular de insectos que usam a bioluminescência para comunicar (os pirilampos), deixam de o poder fazer, pois a luz exterior supera a luz por eles emitida.
Os morcegos, sensíveis à luz, são também vítimas do excesso de iluminação. As rapinas nocturnas (corujas, mochos) deixam também de estar ocultas pela escuridão e são mais facilmente detectadas pelas suas potenciais presas. Alguns peixes que têm um comportamento regulado pela luz da Lua que penetra na água são também afectados pelo aumento da luz ambiente.
Flora
Não só algumas plantas sofrem stress pela contínua exposição à luz (árvores nas cidades ou plantas em estufas com iluminação, por exemplo), como foram recentemente revelados pela primeira vez efeitos da luz artificial nos polinizadores (insectos) nocturnos e diurnos, fundamentais para a vida na Terra — “porque actuam como grupos funcionais complementares via interacções indirectas mediadas pelas plantas” (Nature, Agosto de 2017). O estudo foi capa dessa edição da revista e, entre outras conclusões, os autores verificaram que, em comunidades de polinizadores iluminadas por iluminação artificial, as visitas nocturnas sofreram uma redução de 63% quando comparado com outras mantidas no escuro.
Saúde
Para além de efeitos da componente azul na retina, é a capacidade de supressão de produção de melatonina pela luz branca à noite que possivelmente mais preocupa a comunidade científica. A cronobiologia, a epidemiologia e os estudos do sono são das áreas que mais se têm debruçado sobre os efeitos na saúde da exposição à luz à noite. Não sendo simples estabelecer relações de causa-efeito, como é habitual em áreas da epidemiologia e da saúde, é crescente o número de estudos que indiciam essas relações.
A Agência Internacional para o Estudo do Cancro considerou pela primeira vez em 2010 o trabalho por turnos que envolva disrupção circadiana como “provavelmente carcinogénico para os humanos”. A Associação Médica Americana emitiu em 2016 um relatório onde, face aos impactos dos comprimentos de onda curtos (azul) presentes nos LED brancos e face à escala de introdução destes nos EUA, recomendava a utilização de LED para iluminação pública que minimizassem os impactos na saúde, ambiente e circulação de veículos (encandeamento).
Vários estudos revelam suspeitas de possibilidade de a luz artificial à noite, particularmente com elevada percentagem de azul no seu espectro, poder aumentar o risco de cancro de mama e próstata. As perturbações no sono exercidas pela luz têm sido também apontadas como incrementadoras do risco de obesidade, depressão e diabetes, entre outras.
Segurança rodoviária
Se a luz em alguns locais (cruzamentos, entroncamentos) pode ajudar a reduzir a sinistralidade, a sinalização horizontal e vertical é muitas vezes suficiente. A circulação numa estrada sem sinalização horizontal é sempre mais perigosa, quer haja iluminação exterior quer não.
Quando a luz for efectivamente necessária, devem usar-se os níveis mais baixos quanto possível, com sistemas de regulação de fluxo durante a noite, evitando-se também o encandeamento dos condutores e peões. Num panfleto anunciado em comunicado de imprensa (divulgado pelo PÚBLICO em 22 de Dezembro de 2016), a rede de investigação LoNNe alertou para a necessidade dos níveis de iluminância standard para a iluminação pública, tal como o European Standard EM 13201 e o ANSI/IES RP-8 para os EUA serem reavaliados e de uma justificação científica para os níveis de iluminação aí recomendados, pois, por um lado, os níveis de iluminação de muitas infra-estruturas na Europa estão frequentemente abaixo das recomendações da norma EN13201 e garantem, no entanto, as necessidades de segurança pública.
Por outro lado, mesmo que os limites mínimos recomendados por esses standards fossem adoptados em todos os países europeus, a energia e as emissões de CO2 associadas com a iluminação de exterior aumentariam drasticamente. Para além do risco de circulação sem luzes por excesso de iluminação das ruas, uma maior iluminação nas estradas promove também o aumento da velocidade de circulação à noite, factor comprovado de aumento de risco de sinistralidade.
Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO