A governança do futebol
Em Portugal, o desporto profissional tem problemas que o Estado e o associativismo desportivo têm tido dificuldade em resolver.
O ex-presidente da FIFA, Joseph Blatter, dizia que os problemas do futebol eram resolvidos pela família da modalidade. Se bem que todos os dirigentes associativos afirmem a sua independência face aos poderes públicos, sejam nacionais, continentais ou mundiais, a realidade desportiva demonstra que as boas políticas públicas são essenciais no engrandecimento das organizações do desporto. A boa governança, ao dar voz a todos os parceiros, é o garante do sucesso das actividades desportivas e dos respectivos países.
Em Portugal, o desporto profissional tem problemas que o Estado e o associativismo desportivo têm tido dificuldade em resolver. Os desafios à boa prática profissional existem desde que se criaram ligas profissionais nas modalidades colectivas. Todas as ligas faliram, como a do basquetebol e a do andebol, com a excepção da liga do futebol.
Recentemente, o PSD fez uma proposta de alteração ao projeto de lei n.º 507/XIII/2.ª, incidindo sobre o artigo 24.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, e o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, modificado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014. O objecto da proposta pretenderia retirar à Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) a elaboração e a aprovação dos regulamentos da arbitragem e da disciplina das I e II ligas. A LPFP de imediato referiu que o projecto concentraria os poderes na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e esvaziaria a LPFP. Neste caso, a proposta do PSD completaria a falência das ligas profissionais em Portugal.
Definir a função objectivo de uma federação que determine a racionalidade económica da modalidade é uma matéria controversa, a que os países europeus dedicam o melhor do seu conhecimento para resolverem os desafios colocados pela especificidade da modalidade, a par das condições únicas que a cultura europeia faculta a todo o seu desporto.
A FPF e a LPFP possuem perfis de governança distintos. A FPF é a dona da produção de futebol em Portugal e a LPFP é a responsável pelo segmento profissional, incluindo o semiprofissional.
À FPF cabe a tutela da produção de futebol recreativo, formativo ou amador e do profissional. Segundo o Modelo de Desporto Europeu (MDE), em que Portugal se insere, o primeiro nível, recreativo, formativo ou amador, é fulcral para a criação da cultura desportiva do futebol nacional dos adeptos, sócios, filiados, espectadores, patrocinadores, dirigentes, treinadores e árbitros. Um segundo nível, profissional, inclui o topo da pirâmide que, possuindo a maior produtividade, gera benefícios monopolísticos. Os dois níveis envolvem parceiros com interesses específicos, que são complementares e de cujo êxito particular depende o sucesso do todo.
A LPFP coordena a actuação dos clubes com equipas profissionais a fim de maximizar a função de produção da actividade profissional. Nos países mais ricos, as ligas profissionais centralizam o diálogo com os parceiros comerciais e maximizam as suas rendas. Nesses países as ligas usam políticas de redução do fosso entre os clubes mais ricos e os menos ricos através da maior equidade na redistribuição das rendas económicas do monopólio das actividades profissionais. São conhecidas políticas de defesa dos jogadores dos clubes profissionais na chamada às selecções, na defesa dos jogadores nacionais face à contratação dos jogadores de outros países, na representação e projecção dos dirigentes, treinadores e jogadores nas instâncias europeias e mundiais.
A FPF deveria promover o debate de um Modelo de Futebol Português no seio das instituições desportivas e federativas com os parceiros amadores, com os profissionais e os não-desportivos a fim de promover toda a modalidade.
Há limites em Portugal na actuação da LPFP, que tem dificuldade em cumprir funções específicas como a defesa do interesse dos adeptos e dos associados dos clubes, o desenvolvimento de um estilo de jogo nacional articulando o trabalho dos clubes e da federação, a idoneidade dos dirigentes, a defesa dos clubes na negociação centralizada dos direitos de televisão e de patrocínios sobre a imagem dos campeonatos e promovendo a redistribuição equitativa entre os mais pequenos e os maiores clubes.
A agência pública da administração central não foi concebida para regular eficazmente a actividade das federações e das suas ligas profissionais. Posteriormente, seguiu-se a destruição do Instituto do Português do Desporto e da Juventude, que é dos actos mais obtusos da administração pública portuguesa. Hoje, a agência desportiva não tem condições para, em primeiro lugar, identificar bem o fracasso do desporto profissional com informação qualificada e, em segundo lugar, promover o debate visando a criação de um consenso nacional entre os parceiros do desporto, e os do futebol em particular, sob a liderança do responsável político dos governos. Sem liderança pública qualificada e sem boa governança, muitas vezes fazendo política desportiva a pedido dos desastres que acontecem, uma iniciativa, como a do PSD, tem fortes probabilidades de fracassar.