O crime de pensar na Turquia e o silêncio português
Por quanto tempo mais vai o Governo português continuar em silêncio? Faz algum sentido que Portugal se deixe ficar para o fim?
Defender os direitos humanos na Turquia tornou-se crime. Um tribunal de Istambul ordenou na semana passada que seis defensores de direitos humanos fiquem na prisão sob acusações absurdas de apoio a organização terrorista; outros quatro foram libertados apenas para lhes serem emitidos novos mandados de captura no fim-de-semana. Todos podem ser infundadamente condenados a penas de prisão.
Entre os detidos está a diretora executiva da Amnistia Internacional na Turquia, Idil Eser. Não cometeu nenhum crime, nem nenhum dos outros – participavam juntos num workshop de segurança digital.
Desde a tentativa de golpe de julho de 2016, o Governo turco abateu-se sobre qualquer sinal de contestação. É um ambiente onde defender os direitos humanos é crucial, mas também é um ambiente em que defender os direitos humanos é tratado como crime.
Em abril passado, após o referendo em que o Presidente turco, Recep Erdogan, reforçou poderes, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, dizia que “nós todos, europeus, esperamos clareza da parte das autoridades turcas, porque queremos a Turquia perto de nós” e reiterava a vontade do Estado português numa aproximação entre a União Europeia e a Turquia, “assim [o país] cumpra os critérios de Copenhaga”. Apelou a que estivessem “garantidas a independência do poder judicial, a independência dos media e, evidentemente, os direitos dos cidadãos”.
É claro que essas garantias não existem agora na Turquia, nem existiam há três meses, com 150 mil pessoas sob investigação criminal e mais de 50 mil a definharem nas prisões, incluindo pelo menos 130 jornalistas, o número mais elevado no mundo. Além de mais de 100 mil funcionários públicos arbitrariamente despedidos, de juízes a professores, a médicos, polícias e militares.
No mês passado esse cerco chegou aos defensores de direitos humanos, com a detenção do presidente da Amnistia Internacional no país, Taner Kiliç, sob a acusação fictícia de ser “membro da Organização Terrorista Fethullah Gülen”. Há três semanas foi a vez de Idil Eser e dos outros detidos em Istambul.
As garantias de respeito pelos direitos dos cidadãos na Turquia foram atiradas pela janela há muito tempo e essa constatação foi feita já por vários líderes europeus e mundiais.
Exemplifico algumas vozes europeias apenas. A chanceler alemã, Angela Merkel, falou em “pessoas inocentes apanhadas nas rodas do sistema de justiça e a acabarem em detenção”. Do Governo francês veio a chamada à “libertação dos ativistas da Amnistia Internacional assim como de outros defensores de direitos humanos e de jornalistas”. O chanceler austríaco, Christian Kern, disse que esta “é uma tentativa transparente de intimidar e silenciar defensores de direitos humanos”. O chefe da diplomacia da Irlanda, Simon Coveney, apontou que “tornar como alvos ativistas de direitos humanos não é uma atividade que se espere ver num país que respeita os direitos humanos e o Estado de direito”.
No Parlamento português foi aprovada por unanimidade uma declaração de preocupação e condenação pelas detenções. Por unanimidade, sublinho o seu significado. As sete bancadas do Parlamento que representam todos os portugueses e portuguesas.
O Governo português continua em silêncio, percebendo-se que Portugal quer reagir à vertigem violadora de direitos humanos na Turquia apenas no quadro da UE. Mas até já a Comissão Europeia se manifestou “alarmada”: “Instamos à libertação destas pessoas”, disse o porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, e Federica Mogherini, alta representante para a política externa da UE, tem o dever de o reiterar ao reunir-se hoje com o ministro dos Negócios Estrangeiros turco.
Lembrando Martin Luther King, “o que [nos] preocupa mais não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Portugal tem sido voz moderadora e ator internacional liderante em tantas frentes de direitos humanos e ocasiões históricas. Abolição da pena de morte; subscrição de todos os tratados e convenções internacionais de direitos humanos; processos de paz em Timor-Leste, na Guiné-Bissau, operações de paz na Europa de Leste e em África; membro do Conselho de Direitos Humanos nas Nações Unidas...
Por quanto tempo mais vai o Governo português continuar em silêncio? Faz algum sentido que Portugal se deixe ficar para o fim? Apelo a que não.