Governo de Passos equacionou “resgate” do SIRESP

A palavra nacionalização não é usada, mas na renegociação do contrato desta PPP o Governo anterior fez as contas às vantagens do controlo público. Poupar-se-iam 7,6 milhões.

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O Governo anterior só ponderou uma “nacionalização soft”, que fosse quase indiferente para os investidores privados Daniel Rocha

No relatório da renegociação, os representantes do Estado usam um longo eufemismo: “Cenário equivalente ao comummente designado resgate”. No fundo, trata-se de uma nacionalização, embora numa versão suave. Neste “resgate da concessão” o Estado “assumiria o pacote de financiamento” bem como a “operação da concessão”, tendo de pagar “em contrapartida uma indemnização aos accionistas que reflectisse os dividendos que estes esperavam obter inicialmente”, quando celebraram o contrato.

Fonte do Governo anterior, que conhece o processo, explicou ao PÚBLICO que o cenário da nacionalização era um dos trunfos negociais que mais poder dava ao Estado para sentar os privados à mesa das negociações. É sabido, também, que o secretário de Estado que iniciou o processo, Fernando Alexandre, defende uma solução deste tipo: “O Estado deveria considerar a possibilidade de assumir uma posição maioritária na SIRESP”, escreveu o ex-governante num artigo de opinião no jornal online Eco. O PÚBLICO sabe, também, que o executivo anterior ponderou executar, através da Parvalorem, parte da dívida da Galilei ao Estado através da tomada das acções do grupo (ex-SLN) no consórcio privado da PPP. Porém, agora, como se viu no debate da passada quarta-feira sobre a nacionalização do SIRESP, a posição oficial do PSD, transmitida pelo deputado Carlos Abreu Amorim, é a de que discutir a propriedade pública do SIRESP é uma “obsessão ideológica”.

De todas as medidas “unilateriais” consideradas durante a negociação de 2014 e 2015, a nacionalização parece ter sido a única levada a sério pelos negociadores nomeados pelo Governo de então. “Pretendia-se com esta opção que o Estado se apropriasse de um potencial de redução de custos operacionais”, explica o relatório oficial dos negociadores. “Com efeito, depois de avaliados os preços de mercado mais actuais, e realizada uma comparação da rede SIRESP com redes de características semelhantes a nível internacional, a Comissão de Negociação concluiu sobre a existência de um potencial para redução global dos custos operacionais da operadora na ordem dos 30%”, continua este ponto do relatório.

Ou seja, se fosse o Estado a gerir a operação, os custos poderiam baixar cerca de um terço. Um cenário muito mais favorável do que o que veio, de facto, a alcançar, com uma redução negociada dos custos operacionais de 9,3%. Traduzindo em números: o Estado poupou nesta alínea cerca de 15 milhões de euros, mas poderia ter poupado cerca de 50 milhões, se tivesse avançado para o “resgate”, segundo as contas dos negociadores.

Foram duas as razões principais para não ser esta a opção que vingou. Desde logo a “complexa” confusão de interesses entre os accionistas privados do SIRESP (SLN/Galilei, GES e CGD, Motorola e Datacomp). Dizem os representantes do Estado na negociação que a parte dos custos operacionais é a que mais afecta a rentabilidade da PPP, precisamente porque “alguns dos accionistas são também fornecedores ou prestadores de serviços”.

Por outro lado, o Estado, que acabava de sair ele próprio de um eufemístico “resgate”, não queria sequer pôr em cima da mesa um cenário de nacionalização dura. Esse cenário, em que o Estado aparecia como incumpridor de um contrato, “para além das consequências jurídicas inerentes, traria implicações reputacionais graves para o país”.

Por isso, a análise dos negociadores incluiu sempre uma contrapartida maximalista para os privados. Uma indemnização “num montante que garantisse a sua indiferença entre continuar a executar o contrato SIRESP até ao fim da sua vida útil e aceitar o seu vencimento antecipado”.

Seria assim pago todo o lucro estimado pelos accionista (13,3 milhões de euros), seria dada uma indemnização aos fornecedores (6,4 milhões) e seriam assumidos todos os encargos perante os bancos que financiaram o consórcio (32,6 milhões). Mesmo assim, calculam os negociadores do Governo anterior, ainda seria possível registar uma poupança com esta nacionalização. Mas seria uma poupança pequena (7,6 milhões) face à que podia ser obtida com uma simples negociação (que resultou numa redução de 25 milhões).

Foi por esta conta que o “resgate” não aconteceu há dois anos. “A resolução do contrato de concessão permitiria uma poupança de apenas 7,6 milhões de euros, um valor que, para além de reduzido, encerrava em si um risco de execução considerável”, concluíram os negociadores, em 2015. 

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