A ideia era boa e simples. Naquele dia ela mostrou-me algum entusiasmo e isso contagiou-me; longe estava eu de imaginar que é mesmo assim: que as coisas grandiosas acontecem num telefonema qualquer ao longo da vida, num acto isolado mas simples.
A Mara é professora de Português no Park International School e dizia-me que para dinamizar as aulas de Português, mas sobretudo para desenvolver outras capacidades nos alunos, se tinha lembrado de os colocar a descrever as minhas fotografias. Que nos contassem de uma forma muito própria aquilo que viam para lá da própria imagem. Que nos contassem as histórias deles.
O fascínio de ter crianças de 9, 10 ou 11 anos a redescobrirem novas histórias nas minhas fotografias podia ser surpreendente.
Mas aquilo que podia ser apenas isso, tornou-se maior que tudo. A forma como as crianças se entregaram às imagens e as fizeram delas foi incrível. As histórias que foram contando ao longo do ano tiveram tanto de bom como por vezes de inimaginável.
Despiram vidas, construíram outras, percorreram caminhos que à luz de crianças daquela idade nos fizeram abrir de espanto; por cada linha, por palavras ou por uma visão única e criativa. Tomaram conta da imaginação e deram voltas ao mundo e por vezes a volta a nós próprios. Passaram da prosa à poesia sem receio e com tenacidade.
Quem imaginaria que uma criança de 10 anos pudesse fazer de uma fotografia poesia? E fazê-lo tão certo que impressionou em cada ode ou soneto. Porque nos contaram tudo com o coração.
Numa fotografia onde a maior parte das pessoas não costuma ver muito, eles observaram para depois viverem.
Um deles via amor transversal enquanto outro discutia a eleição pela eleição de Trump — e isto só numa fotografia. Discutiram actualidade, sentimento, vivências e escreveram mesmo narrando a sua própria vida. Avançaram e recuaram no tempo, falaram sobre conceito familiar e até nos deram ensinamentos ou nos deixaram a pensar na vida e na forma como a complicamos ou em como estamos desatentos.
Cruzaram imaginação com sabedoria e deram ainda mais poder a cada imagem, acrescentaram vida. Escreveram sobre amizade melhor que tanta gente grande e encontraram solução para o medo, porque até o medo viram em cada pixel que lhes demos a observar.
Mostraram dedicação, empenho e uma maturidade pouco própria para crianças daquela idade. Descobriram-se novos alunos e novas crianças.
De repente inspiraram-nos a todos, desde os professores a todas as pessoas que seguiam este projecto. E eu, passei a conhecer novas fotografias, muito diferentes daquelas que tinha tirado.
O projecto chama-se "Imagens com História" e foi um sucesso tremendo. Ultrapassou expectativas e conheceu o êxito por cada fotografia que trazia uma nova história.
Revelou-nos que o Ensino ou a Educação podem ser feitos de forma singular, apenas com outros métodos, que a junção das artes pode convergir muito bem, que as letras e as imagens foram feitas numa associação tão bonita que começa com o click e termina aos olhos de uma criança de 10 anos.
Este é um projecto único em Portugal o que nos deixa honrosos e depois orgulhosos, mas sobretudo por aquilo que as crianças fizeram.
Há dias fui à escola, conhecer as crianças que deram uma vida diferente às minhas fotografias. Pude ver cada rosto que empregou uma sensibilidade rara às fotografias, perceber porque eram tão especiais e isso confirmou-se logo naquela cumplicidade que nos unia sem nunca nos termos visto. No aperto de mão de quem não se conhece mesmo que se conheça tão bem, na admiração mútua de quem conta histórias feitas de fotos e o faz com amor. Na troca de olhares de quem não olha a idades mas a sentimentos.
Conheci crianças sensíveis e dedicadas e se dúvidas tivesse na criatividade delas rapidamente as percebi quando me começaram a fazer todas as perguntas.
Falei-lhe sobre Fotografia, Escrita, contei-lhes as minhas histórias, as pessoas que conheço ao acaso, as vidas e instantes tão surpreendentes como a visão deles.
Aquele nosso diálogo é coisa para se levar para a vida, os sonhos que queriam ser contados e as mãos no ar em busca de respostas a outras tantas perguntas.
Todo aquele entusiasmo que me dedicaram fez-me sentir herói por um dia com a certeza de eu saber que eram eles que vestiam a capa.
A surpresa ao descobrirem o impacto que tiveram nos outros; porque lhes contei como inspiraram outras pessoas, que haviam feito chorar e sorrir, que surpreenderam o mundo por nos contarem aquilo que viam.
Inspiraram-me a escrever novas histórias, a fazer mais e melhor, a fotografar mais só para que eles escolham a melhor história para cada fotografia.
E por fim quando já nada podia esperar depois de receber tudo, a Beatriz resolveu surpreender-me com uma história contada em mais de 30 fotografias da forma mais brilhante que alguma vez vi fazer a uma criança de 12 anos, conseguia soletrar as palavras ao ritmo das imagens numa entoação comovente.
Se o mundo voltasse ao sítio certo teria que recomeçar sempre naquele dia em que a Mara me telefonou e deu início a tudo isto, porque as "Imagens ficaram para a História".