As sete lições de Medina Carreira
A sua obsessão com o défice, era a recusa do fatalismo do atraso e da dependência. Por isso, era intransigente no rigor e na disciplina. Temos já saudades da sua voz.
Ao longo de mais de trinta anos de convivência e de muitas reflexões comuns sobre os temas que mais preocupavam Henrique Medina Carreira, só colhi boas lições e penso ser indispensável não as esquecer. Para quem o conhecia mal, talvez fosse excessivo na manifestação das suas ideias, no entanto, conhecendo-o bem, devo dizer que sempre encontrei nele sempre a grande preocupação de ser rigoroso no fundamentar das suas análises.
Um dia, quando alguém acusou o seu pessimismo, respondeu que era apenas realismo. Pessoalmente, penso que era o salutar pessimismo de inteligência que nos obriga a ponderarmos o modo como se conduzem os negócios públicos e se defende o bem comum. Era incómodo, sim, mas tinha uma grande generosidade, de quem não gostava de deixar por dizer as críticas que tinha para fazer. Era, a um tempo, sincero e corajoso. E assim, eticamente, sempre o encontrei com a mesma verticalidade e coerência. Ele dizia – “Como não tenho que agradar, digo o que devo dizer, doa a quem doer!” E isso lhe agradeci sempre. No meu caso, foi sempre fiel à nossa amizade, sempre me disse quando discordava, e sempre me deu força quando assim entendia. E com que insistência dizia – não receie, avance, avance! Não esqueço tantos momentos em que testemunhei que a visão talvez mais negra das coisas, correspondia ao seu desejo de que o mundo da vida se pudesse endireitar um pouco. Era daqueles que Sá de Miranda dizia serem de mais quebrar que torcer. E se hoje escrevo a recordá-lo é pela razão de que não podemos esquecer os seus principais combates. E há sete lições que não podem ser esquecidas:
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Primado do serviço da democracia e da causa pública – os dinheiros públicos são dos contribuintes e a disciplina é obrigação de todos. E o seu exemplo merece referência, uma vez que sempre foi um íntegro praticante do serviço de todos.
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Luta sem tréguas contra o desperdício – a indisciplina contra a qual combateu com persistência e valentia levava ao desperdício, e por cada cêntimo mal gasto muitos cidadãos eram privados dos seus direitos e da dignidade essencial.
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Atenção permanente aos riscos de corrupção e à sua prevenção – de facto, a terrível corrupção poderia estar onde menos se esperaria, começava num pequeno favor e cavalgava até ao crime ignóbil. Daí a necessidade de prevenir a fraude e de melhorar o regime sancionatório, com persistência e inteligência.
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Combate ao endividamento irresponsável – as economias de casino, que Medina Carreira abominava, foram-se instalando, e com elas uma febre prestamista e tudo o que gerou a crise financeira e a ilusão de confundir riqueza com aparência monetária.
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A necessidade de compreender que sem produzir não podemos gastar – de facto, há um equilíbrio que tem de existir entre o que criamos e o que consumimos, entre a riqueza das nações e a preocupação com a justiça. É indispensável, sempre entendermos que o exemplo da administração sábia de José do Egipto não pode ser esquecida, sendo permanente e não momentânea.
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A adequação entre os meios disponíveis e os fins económicos é essencial – uma vez que as necessidades apenas podem ser satisfeitas se soubermos exatamente aquilo de que podemos dispor.
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A justiça distributiva exige poupança e sobriedade – como estudioso que foi de toda a vida do sistema fiscal e da ligação entre equidade e eficiência (não esqueço o seu estudo sobre o património), sabia que a sabedoria económica obriga, antes do mais à prudência permanente.
E lembro as longas conversas com José da Silva Lopes, designadamente a recordar o tempo em que os empréstimos em divisas eram para solver primeiras necessidades (de energia ou alimentação), mas sobretudo a apelar a termos os pés assentes na terra e a não construir castelos no ar… António Barreto disse que o exemplo de Henrique Medina Carreira tem a ver com o alerta aos portugueses para desconfiarem da dívida e da dependência. É a síntese essencial. A sua obsessão com o défice, era a recusa do fatalismo do atraso e da dependência. Por isso, era intransigente no rigor e na disciplina. Temos já saudades da sua voz…