A pior e mais perversa consequência do terrorismo

Não é só preciso não ter medo. Acima de tudo, é preciso não permitir que esse medo nos leve a abdicar dos direitos que a Humanidade levou séculos a conquistar, mesmo que o Estado a que pertencemos nos diga que é essencial para o bem comum. Não é

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Stefan Wermuth

Ataques terroristas, mortos e feridos. Cito apenas os principais que ocorreram na Europa nos últimos dois anos: 07.01.2015, Paris (França): 12 mortos e 5 feridos; 14-15.02.2015, Copenhaga (Dinamarca): 2 mortos e 5 feridos; 13.11.2015, Paris - Saint-Denis (França): 180 mortos e 350 feridos; 22.03.2016, Bruxelas (Bélgica): 35 mortos e 300 feridos; 14.07.2016, Nice (França): 84 mortos e 18 feridos; 19.12.2016, Berlim (Alemanha): 12 mortos e 49 feridos; 01.01.2017, Istambul (Turquia): 39 mortos e 69 feridos; 22.03.2017, Londres - Westminster (Reino Unido): 5 mortos e 10 feridos; 03.04.2017, S. Petersburgo (Rússia): 11 mortos e 50 feridos; 07.04.2017, Estocolmo (Suécia): 5 mortos e 15 feridos; 22.05.2017, Manchester (Reino Unido): 22 mortos e 64 feridos. A soma dos mortos nestes atentados fixa-se em 402 mortos.

Sem pretender desvalorizar as mortes causadas por cada um dos horrendos atentados terroristas dos últimos anos, muito mais gravoso se me afiguram os efeitos que cada um deles tem tido no campo das garantias de defesa no processo penal (nos casos em que ainda se possa falar em verdadeiro processo, que não são todos) e dos poderes estaduais.

No que respeita ao processo penal, temos assistido à progressiva legitimação da contracção (quando não aniquilação) dos direitos fundamentais e a abertura de portas à acção dita preventiva, a qual é invocada como justificação para os atropelos mais chocantes como, por exemplo, a detenção por tempo indeterminado de indivíduos sem que sobre eles recaia uma suspeita concreta ou a admissibilidade e utilização de métodos de tortura em interrogatório.

No que concerne aos poderes estaduais, verifica-se a legitimação legislativa de actos persecutórios e o indesejável desequilíbrio entre os poderes do Estado e os direitos do Cidadão, que colocam todos (ainda que uns estejam mais sujeitos a isso do que outros) sob a lupa da desconfiança e da suspeição constante.

Olhando para trás, a História mostra onde tais cenários conduziram: foram invariavelmente a antecâmara de guerras muito mais mortíferas e infinitamente mais longas do que os atentados terroristas que o mundo tem vivido.

Essa parece-me ser a pior e mais perversa consequência do terrorismo: torna as suas vítimas também vítimas do medo e da paranóia autofágica.

Não é só preciso não ter medo. Acima de tudo, é preciso não permitir que esse medo nos leve a abdicar dos direitos que a Humanidade levou séculos a conquistar, mesmo que o Estado a que pertencemos nos diga que é essencial para o bem comum. Não é. O que o Passado ensina é que os cidadãos que permitem que esses direitos sejam comprimidos acabam invariavelmente reféns da guerra e das suas atrocidades, da morte, da fome e da pobreza. Também a cívica.

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