A quadratura do círculo de Macron
O novo Presidente francês necessita de 50% dos votos para governar mas representa fundamentalmente 15% da população.
Macron ganhou a segunda volta das presidenciais francesas com 65% dos votos. Mas só representa 41% dos eleitores — se se considerarem as abstenções e votos nulos. E só 23% dos eleitores votaram convictamente em Macron; os restantes 18% (43% dos 41%) foram votos anti-Le Pen.
Estes 23% representam a soma dos macronistas (19% na 1.ª volta) e dos 4% que votaram nele por convicção (republicanos, fundamentalmente). Os macronistas são os que debandaram dos partidos do bloco central, fundamentalmente do PS, mas também dos republicanos. A “morte do PS” foi anunciada pelo socialista Valls, que quer ser candidato de Macron; os poucos que ficaram no PS devem detestar os trânsfugas.
Macron vai governar para já com estes 23% do centro e da direita, rejeitando os 18% que apenas votaram nele de modo táctico. Vai tentar a maioria absoluta nas legislativas próximas — tal como Cavaco Silva em 1987; vai tentar subir à custa dos republicanos, mas fundamentalmente vai tentar mobilizar os abstencionistas. Sabe que não pode sugar mais o PS e que os votos brancos na 2.ª volta são da esquerda.
Vai tentar reconstruir o bloco “do sistema”, antes representado pelos partidos Republicano e Socialista. Vai tentar formar um novo partido de poder, substituindo os partidos obsoletos do bloco central. Vai tentar ser o novo partido das pessoas que exercem o verdadeiro poder na sociedade: de classe alta e média, com escolaridade alta, patrões e quadros superiores, gestores e dirigentes. Mas, no conjunto, estas classes/profissões representarão apenas 15% da população francesa (em 2000); Macron terá de atrair os profissionais intermédios (18% da população) e terá de evitar ser rejeitado pelos empregados (27%), operários (26%) e agricultores, artesãos e comerciantes (15%).
Macron apareceu para tentar travar o crescimento dos partidos das extremas (direita e esquerda), à custa dos do bloco central (Republicanos e PS). Vai tentar reconstruir o bloco central numa síntese nem de direita nem de esquerda. Já decretou a morte desta dicotomia direita/esquerda, que substituiu pela dicotomia abertura/fechamento retrógrado ao exterior e aos novos métodos liberais.
Os partidos de Le Pen e de Mélenchon são os representantes maioritários das caudas extremas, de direita e de esquerda, respectivamente. Os estratos sociais que representam têm muitos pontos em comum: não exercem o poder, são de classe baixa e média-baixa; têm escolaridade média (Mélenchon) ou baixa (Le Pen); estão desempregados (Mélenchon). São predominantes entre os empregados e os operários (27% e 26% da população), mas estão fortemente implantados também entre os profissionais intermédios (18% da população). Votam nos partidos ditos populistas ou abstêm-se muito. Mas se são extremos, são extremos opostos. Os muçulmanos odeiam Le Pen e votam preferencialmente em Mélenchon. Le Pen predomina nas áreas rurais e nas pequenas cidades e Mélenchon é mais forte nas cidades de tamanho médio, mas ambos predominam nas periferias pobres. Mélenchon é o preferido dos jovens, enquanto o eleitorado de Le Pen é mais idoso.
Tento representar a política actual como um cometa, primitivamente um bloco de gelo formado entre os planetas distantes. O núcleo de gelo dos cometas representará o bloco central do poder e as duas caudas distintas, de vapores e de poeiras, representarão os extremos políticos. Quanto mais se aproxima do sol, tanto mais o núcleo gelado (o bloco central) derreterá e tanto mais crescerão e se afastarão as duas caudas distintas de vapores e de poeiras (os extremos em política). Macron deseja conciliar o inconciliável, quer continuar a marcha para o sol, mas não quer que o seu coração de gelo se derreta e se evapore, para os partidos ditos extremistas.
Detesta-os e acusa-os (os vapores e poeira) de serem a mesma matéria. Sustenta que a matéria são moléculas apenas, que será sólida, líquida ou gasosa conforme as moléculas estiverem unidas ou menos ou mais afastadas. Avisa para o perigo das moléculas (as ditas caudas do cometa) se afastarem, fazendo perigar a solidez do núcleo de gelo — não compreende que já se volatizaram. Apela aos transviados que regressem ao núcleo de gelo primitivo, originário, ancestral.
Macron necessita de 50% dos votos para governar mas representa fundamentalmente 15% da população (patrões e quadros); há que fazer campanha eleitoral em democracia. É esta a originalidade da nova política de Macron; admoestar e apelar aos transviados, sem nada pretender mudar na substância do seu coração de gelo. Parece pretender a quadratura do círculo, para usar uma imagem gasta.