Subitamente, as redes sociais ficaram inundadas com artigos de ajuda para pessoas com depressão. Subitamente, as crianças estão a ser avisadas sobre os perigos online e os perigos das doenças mentais. Subitamente, aquilo que devia ser feito todos os dias está a ser feito agora e até aqui tudo bem. Agora vou questionar: até quando? Talvez até a série 13 Reasons Why deixar de ser tão falada ou até o jogo da Baleia Azul deixar de ser notícia.
No mundo real somos séries sobre suicídio e somos baleias azuis, cor-de-rosa, pretas, brancas e amarelas. As doenças mentais estão aqui e não é de ontem, não é do jogo que começou na Rússia, não é da conta da Netflix — é da vida. No mundo real, as crianças, pré-adolescentes, adolescentes e adultos precisam de aconselhamentos e precisam de valorização quando têm doenças como ansiedade ou depressão. A automutilação, para quem não sabe, é um vício como o tabaco e, por favor, poupem-me os discursos das chamadas de atenção. Mesmo que seja assim, não acham que é necessário socorrer e entender as motivações?
Aquilo que ainda me deixa mais intrigada são as pessoas que passaram e passam por estas doenças mas conseguem continuar a usar estas modas, citações ou referências como piada, utilizando mecanismos para se rirem da dor. Piadas sobre violações são horríveis, mas sobre suicídio não faz mal? O complexo de vítima não tem que ser lido como desespero, mas pela falta de empatia e constante chamada de atenção. Não existe nada de errado em lermos ou vermos coisas que nos fazem sentir tão mal que decidimos não sair da cama. Mentira.
A depressão não nos deixa sair da cama, não é desleixo ou preguiça nossa. Essas coisas que nos deixam na corda-bamba entre a vida e a morte podem ser: discussões, fim de relações, imagens de filmes que nos recordam situações graves da nossa vida ou até mesmo — rufos — redes sociais. As redes sociais estão de mão dada com o bullying, perseguição, gozo gratuito e falta de empatia. As redes sociais não são levadas a sério, mas são causadoras de ansiedade, pânico, depressão e comportamentos autodestrutivos — muito antes até de serem utilizadas para “jogos” que atingem pessoas em risco por já estarem psicologicamente doentes. A depressão, como costumo colocar a pessoas não informadas, é como ter um pé partido e existem assuntos, imagens, palavras ou conversas que se transformam num tijolo enorme e esse tijolo é atirado para aquele pé partido. A recuperação demorará mais e a dor aumenta; acrescenta, não se vê — mas está ali. A depressão não existe apenas enquanto as séries disserem que sim. A depressão não está ali apenas enquanto adolescentes morrem vítimas de jogos que utilizam o desequilíbrio psicológico para o término da vida. A depressão está, esteve e vai estar em violência doméstica, ambientes familiares desequilibrados, objectivos não concretizados, violações, bullying, em cyberbullying.
A sociedade é, por si só, uma Baleia Azul: ignora os riscos, desvaloriza as doenças psicológicas, incentiva a não-empatia e procura justificações para as situações às quais fecharam os olhos. As famílias dizem que são “fases”, as mangas cobrem os cortes, os professores “até deixam passar”, as amigas lá se afastam e o mundo deixa as pessoas — doentes — sozinhas. Peço desculpa pela falta de etiqueta mas o que o sistema grita a esta gente é: "desenmerdem-se". Depois choram e revoltam-se mas só até jogar o Benfica ou haver um episódio especial da novela da noite. Desta vez têm um jogo para culpar. Anteontem eram cassetes, amanhã o que será?