Marcelo: O país “não é perfeito” mas é dos mais sustentáveis da Europa
Em vez de apelar a consensos, o Presidente preferiu constatar a “paz” e “segurança” em que o país vive, em contraste com as ameaças anti-sistémicas e populistas.Pediu maior criação de riqueza, mas também melhor distribuição, o que agradou à esquerda e à direita.
Foi o retrato de um país pacificado, seguro e politicamente clarificado aquele que o Presidente da República traçou nas comemorações do 25 de Abril. Num discurso pela positiva em que dispensou os já habituais apelos aos consensos, Marcelo Rebelo de Sousa preferiu desta vez fazer avisos contra os populismos e afirmar um “nacionalismo patriótico” num país que diz ser “mais sustentável” do que muitos parceiros europeus. Recados também houve, e para todos, mas aveludados como o cravo que trazia na mão.
“Portugal não é um país perfeito” mas é “uma Pátria em paz, com apreciável segurança” e mesmo “se carecido de reformas, mais sustentável do que muitos outros nossos parceiros europeus”, afirmou o chefe de Estado já no final da sua intervenção, para onde remeteu os inevitáveis avisos à navegação.
A menos do meio da legislatura, traçou o risco divisório. Para o futuro, os dois anos e meio que faltam “terão de ser de maior criação de riqueza e melhor distribuição”. E isso deve ser um “imperativo” comum a “Governo, seus apoiantes e oposições”. Tal como todos têm sido essenciais neste último ano e meio ao “garantirem a virtuosa compatibilização entre a indispensável estabilidade e o salutar confronto político e parlamentar”.
Marcelo unia assim os vários pontos, tantas vezes extremados no Parlamento, com as linhas de virtude que considera têm permitido “resistir à nova vaga dita populista que percorre esse mundo fora”. Elogiou a ausência de “racismos e xenofobias de tomo”, a aceitação “como poucos” de diferenças religiosas e culturais, a “rede de instituições sociais devotada”, o “poder local incansável” e o sistema político “flexível”.
“Com quase nove séculos de História, não trocamos o certo pelo incerto. Não sacrificamos uma democracia, ainda que imperfeita, seduzidos por cantos de sereia de amanhãs ridentes, que do caos nascerá o paraíso”, afirmou. Uma alusão subtil aos extremismos de esquerda em que não parece querer enquadrar PCP e BE, apesar das críticas destes partidos aos condicionalismos da União Europeia, do Tratado Orçamental e do euro.
“Graças ao 25 de Abril temos, dentro de nós, caminhos suficientemente opostos, e portanto, alternativos, embora todos eles crentes na democracia constitucional, para nos sentirmos dispensados de aventuras sem regresso”. Por outras palavras, as propostas políticas estão bem definidas, mas todas estão dentro do sistema e não o ameaçam.
Antes, já tinha defendido que “é precisamente porque entre nós há tanta diversidade e tão vigorosos combates políticos que o nosso sistema de partidos é dos mais estáveis na Europa, não deixando espaço a riscos anti-sistémicos conhecidos noutras paragens”.
Mas isso não chega. Por isso, pediu reformas às estruturas do poder político. Todas, “do topo do Estado à administração pública, e naturalmente aos tribunais”p devem ser “muito mais transparentes, rápidas e eficazes na resposta aos desafios e apelos deste tempo”. A referência à lentidão da justiça mais uma vez feita por Marcelo, ainda que num pacote maior que abrange todo o Estado.
“Os populismos alimentam-se das deficiências, lentidões, incompetências e irresponsabilidades do poder político. Ou da sua confusão ou compadrio com o poder económico e social”, avisou.
E foi neste contexto que trouxe à baila o poder local e as próximas eleições autárquicas. Mais uma vez pela positiva, começando por elogiar o seu papel como “fusível de segurança singular da nossa democracia”, mas que nem por isso deixa de ter “problemas e defeitos, como toda a obra humana”. Para desejar que a nova legislatura autárquica traga mais satisfação de “necessidades clássicas ou básicas”, mais desenvolvimento, “novas vias de participação popular”, combatendo a pobreza e as desigualdades e “fomentando um clima livre, plural e crítico”.
O Presidente também não esqueceu o elogio ao povo, não para dizer que é melhor que as suas elites, como fez no 10 de Junho, mas para lhe conceder o papel fundamental na construção da história. “Se há heróis” da democracia - “além dos que a prepararam e, no 25 de Abril, lhes abriram caminhos de futuro -, esses heróis são os portugueses”, afirmou. São eles que a constroem “em cada momento”, são eles que, “ao fim de anos de sacrifício, sentem que valeu a pena tudo terem feito para sanear as finanças públicas ou tornar possível crescer e criar emprego de forma duradoura e, por essa via, criar condições para reduzir a dívida”.
É, pois, através desse herói popular que Marcelo acaba por elogiar as medidas tomadas pelo anterior e pelo actual governo nas finanças e na economia e por afastar a renegociação da dívida pedida pelos partidos mais à esquerda. “É dos portugueses, todos eles, o mérito primeiro das vitórias que fomos tendo”, como é deles a responsabilidade de “criar um futuro melhor”, frisou.
E os portugueses cumprem esse papel, acrescentou ainda, como “patriotas fervorosamente orgulhosos da sua nação”. Palavras usadas sem medo para fazer pedagogia: “Um nacionalismo patriótico e de vocação universal, e não um nacionalismo egocêntrico, agarrado a um pretenso passado […] insusceptível de enfrentar o futuro”.
“Trabalhamos todos os dias”, diz Costa
Marcelo foi aplaudido de pé pelas bancadas do PS, PSD e CDS, e recebeu algumas palmas tímidas de poucos deputados do BE e PCP. Nas reacções a uma intervenção “consensual” – nas palavras da bloquista Catarina Martins -, cada partido preferiu, no entanto, destacar aspectos diferentes, conforme os gostos. PSD e CDS valorizaram sobretudo a necessidade de criar mais riqueza e transparência, enquanto BE e PCP salientaram a importância da melhor distribuição da riqueza.
Só Os Verdes fizeram questão de apontar “uma falha” ao discurso presidencial, por omitir os “condicionamentos externos” que consideram estar a “prejudicar a criação de riqueza, desde logo a dívida”, defendendo a necessidade da sua renegociação.
Mais tarde, o primeiro-ministro acabou por responder à insistência dos jornalistas sobre o apelo de Marcelo para a criação de riqueza com uma simples frase: “Todos os dias trabalhamos para isso”. António Costa disse ainda que anotou um “grande optimismo do que têm sido os últimos 43 anos” e referiu a “energia” que é necessário colocar para os próximos 43. Relativamente às metas de crescimento económico fixadas pelo Governo, o primeiro-ministro reiterou a intenção de “convergir” com a União Europeia e “voltar ao crescimento” de décadas anteriores.