No dia 3 de Novembro de 2016 foi publicado em Diário da República o programa especial de redução do endividamento ao Estado (PERES), cujo teor se encontra explicitado no Decreto-Lei 67/2016. Centrando-se na enorme dificuldade que as famílias e as empresas (que empresas veremos adiante) tinham e têm para fazer face às suas obrigações fiscais, o objetivo central deste diploma era simples e louvável: permitir que, quer as famílias, quer as empresas, liquidassem as suas obrigações de uma forma mais favorável — pagamentos a prestações —, prescindindo o Estado “dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal correspondente”. Este é um princípio louvável desde logo porque o Estado, na sua relação com os cidadãos enquanto contribuintes, só tem a ganhar se procurar adotar medidas que visem reforçar a confiança de todos no aparelho estatal. Sabemos bem, depois da experiência dos 4 anos da coligação de PSD/CDS, quais os efeitos sociais que surgem de se tratar as famílias e as pequenas e médias empresas como caloteiros...
No entanto, o PERES falhou nos seus propósitos. O objetivo de “apoiar as famílias e criar condições para a viabilização económica das empresas que se encontrem em situação de incumprimento, prevenindo situações evitáveis da insolvência de empresas com a inerente perda de valor para a economia (…)” foi substituído por um aproveitamento de empresas como a EDP, Jerónimo Martins, Cimpor, etc para garantirem que os seus interesses ficam intocáveis.
Soube-se pelo Relatório e Contas da EDP que o “Grupo EDP optou por aderir a este regime excecional, mediante um pagamento total de cerca de 57.342 milhares de Euros, o que implicou uma redução das contingências fiscais classificadas como possíveis em 76.727 milhares de euros (as quais incluíam o cálculo dos juros compensatórios e juros de mora).”. Números redondos, a EDP evitou pagar 20 milhões de euros, sendo ainda mais censurável que o tal “pagamento total de cerca de 57.342 milhares de euros” não o tenha sido a título definitivo.
Importa começar por notar que o PERES, nos seus objetivos essenciais, não se aplicaria às empresas acima citadas. E porquê? Porque nem estão em situação financeira difícil, nem se encontram impossibilitadas de pagar o que quer que seja; simplesmente consideram que os impostos em questão não são devidos. Se assim não fosse, estas empresas não provisionariam estes valores, como, por exemplo, fez a EDP.
A juntar a isto, urge denunciar que o acordo feito entre o Governo e estas empresas possibilita-lhes situações sempre vantajosas: por um lado, permite que estas liquidem o imposto, prescindindo o Estado de valores a que teria direito; por outro, permite que este pagamento não seja definitivo, na medida em que a “adesão a este regime não implica, juridicamente, a aceitação da legalidade da dívida fiscal pelo sujeito passivo, nem prejudica a manutenção do contencioso fiscal, que seguirá o seu curso normal.”.
A pergunta de 20 milhões de euros é: o que é que o Estado ganha com este acordo? Nada. Isto porque se os processos tiverem um desfecho favorável a estas empresas, elas nada pagarão, como não pagariam sem este acordo; se o Estado ganhar os processos fiscais referidos, a EDP (a única que sabemos os reais montantes em causa) obtém uma borla fiscal de cerca de €20 milhões de euros, uma vez que, via PERES, liquidou €57.342 quando deveria ter liquidado €76.727.
Após se aprovar um diploma que visava defender as famílias e as empresas que se encontravam em risco de insolvência, vêem-se os portugueses confrontados com o aproveitamento do mesmo para defender, ao invés, empresas, como a EDP, que apresenta lucros perto dos 1.000.000.000 e cujo presidente ganha €7.000 por dia. Não basta deixar de perseguir os mais fracos, é preciso parar de beneficiar os mais fortes. Uma borla e pêras, ou, neste caso, peres.
Texto escrito segundo o novo Acordo Ortográfico