Como é que se diz appointment em português?

Não sei, de facto, a melhor tradução para appointment, mas sei que estender a mão, dar abraços, acreditar nas dificuldades individuais e saber ouvir, são palavras e frases que não quero esquecer, atitudes que não quero perder

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AAlessia Caudiero/Unsplash

Aquilo que me acende a chama da escrita é definitivamente o activismo de minorias, geralmente comunidades LGBT, o activismo na igualdade de género, o fim da violência com base na orientação, género, cor, etc… Nós – emigrantes – caberemos na palavra "minoria", não privilegiada e com a realidade destorcida? Precisamos nós de activismo para assegurarmos os nossos direitos e os nossos apoios? Ou somos apenas donos das nossas decisões e temos que acartar com as consequências?

Após a minha última crónica "O Natal está a chegar e eu emigrada", escrever sobre emigração tem estado a querer rebentar dentro de mim. De forma inconsciente acabo por ser arrastada para a formação de frases de quem está longe, enquanto tento adormecer. Ironicamente, existem palavras que surgem no meio dessas frases para as quais não encontro tradução de forma fácil ou automática. Sei o que quero dizer e sei que, como eu, existem milhões de pessoas espalhadas pelo mundo que têm frases formadas, palavras sem tradução e mecanismos para não esquecer quem são e de onde vêm.

Cá, o pessoal no trabalho nunca está na caixa, está sempre na till, e nunca tem intervalo, tem break. Nós sabemos que temos trials antes de começarmos a trabalhar, mas será treino a tradução apropriada? Podemos pesquisar as traduções, mas o sentido da frase fica suspenso no ar e perdemos a expressividade. As coisas surgem naturalmente entre nós e os restantes que encontramos espalhados por terras de Sua Majestade — e terras de todos nós. No entanto, quando quero explicar à minha mãe que tenho um appointment, enrolo e enrolo: tenho uma espécie de compromisso, consulta, marcação, estás a perceber? Diz que sim e eu continuo a conversa até tropeçar noutro termo, noutra expressão, até tropeçar na certeza paradoxal de que me falta vocabulário por este ter sido acrescentado. Embora acostumados a palavras que acabam por sair sem ser na língua materna, nem todas as pessoas têm facilidade na língua do país para onde se mudaram.

O classismo presente em alguns grupos de pessoas emigradas faz-me comichão e recentemente bati de caras com uma situação de falta de empatia com quem cá está sem estudos e com uma única missão: sobreviver sem contar tostões. Alguém me disse que, para participar num projecto que tem como base Portugal e produtos portugueses, tinham que ser lidas um monte de burocracias em inglês ou, caso contrário, não podiam participar. Explicando: para vender pastéis de nata, pastéis de bacalhau, queijo da serra ou malas com a cara do Fernando Pessoa, só estava apto quem tivesse um nível de inglês quase perfeito, quem soubesse ler um contrato e um conjunto de regras todas em inglês sem a facilitação por parte da organização. Enquanto ouvia o que na minha cabeça parecia ser apenas superioridade, lembrei-me dos meus pais, que não falam inglês mas são certamente os melhores vendedores que conheço. Aqui não estamos a falar das burocracias políticas onde os portugueses, já com dificuldade, têm que procurar quem as perceba e as explique. Estamos a falar de alguém, também português, que decidiu que, para participar naquele projecto, era obrigatório ler e compreender o inglês — fazer aquilo em português dava certamente trabalho e as bases académicas de quem organiza tinham-lhe trazido o inglês numa taça de chá —, mas isso não acontece a todos. As pessoas tropeçam em expressões e falta de expressão, mas também tropeçam em falta de apoio e classismo constante. Não tens um curso, uma tese, um projecto que factura milhares? Então não és suficientemente bom para vires vender os teus produtos portugueses.

Não sei se nós, emigrantes, cabemos na palavra minoria. Sei que o orgulho atropela quem quer falar de saudades como palavra apenas nossa, sem tradução. Sei que a arrogância fala mais alto e se acaba por apontar o dedo aos que foram embora “só porque quiseram”. Como se fosse errado querer explorar outras opções ou como se todas as pessoas emigradas quisessem, de facto, ter emigrado. Falamos de dificuldades mas “depois têm grandes telemóveis”, como se as pessoas em Portugal não fizessem exactamente o mesmo. Falamos de cansaço mas “foi para lá trabalhar para as obras, cá achava que era trabalho a mais”, aqui ganhando 14 libras à hora e em Portugal ganhando metade. Temos aqui excelentes enfermeiros e enfermeiras, médicos e médicas, mas também excelentes donos e donas de mercearias, cafés ou empregados e empregadas de limpeza. E temos o mesmo valor, os que sabem ler Shakespeare e os que nunca leram "Os Lusíadas".

Eu não sei, de facto, a melhor tradução para appointment, mas sei que estender a mão, dar abraços, acreditar nas dificuldades individuais e saber ouvir, são palavras e frases que não quero esquecer, atitudes que não quero perder e defeitos que posso apontar desde que me fui embora da cidade em tons de amarelo e onde o fado não lembra classismo. Que venha o activismo para quem emigra e que seja enclausurada a censura do desabafo.

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