Manuais escolares e a sua (des)regulação
O Estado teve, ao longo dos anos, uma enorme dificuldade em regular este mercado, por razões muito diversas. Falo por experiência própria.
O mercado dos manuais escolares é, em Portugal, um mercado protegido com défice de regulação.
O Estado instituiu a obrigatoriedade de adoção de manuais do 1.º ao 12.º ano de escolaridade, em quase todas as disciplinas. A escolha dos manuais é uma responsabilidade dos professores e das escolas, que o devem fazer tendo em conta vários critérios. As famílias, afastadas das escolhas, são obrigadas a suportar os custos das decisões, primeiro do Estado, depois das escolas, acabando muitas vezes por comprar produtos que não comprariam se pudessem escolher, tendo em conta o preço e a qualidade, e acabando por comprar produtos que são muitas vezes subutilizados, desnecessários e cuja obrigatoriedade de compra não compreendem. As editoras escolares, pelo seu lado, têm garantida uma procura previsível, estando protegidas dos riscos associados à incerteza que afeta normalmente os mercados.
Para defesa dos consumidores, neste caso os alunos e as suas famílias, a existência de mercados protegidos requer, por parte do Estado, uma regulação eficaz, tendo em vista garantir a qualidade dos produtos e preços controlados e proporcionais à qualidade, bem como impedir uma excessiva concentração do mercado, que resulte em posições monopolistas que eliminem os incentivos da concorrência no plano do preço e da inovação.
Há muitos anos que há vários sinais de défice de regulação no mercado dos manuais escolares. Refiro apenas alguns exemplos.
Em primeiro lugar, preços iguais em todas as editoras. Pegue-se num catálogo de livros organizado por anos de escolaridade e por disciplina e verificar-se-á que todos os manuais têm preços iguais qualquer que seja a editora, qualquer que seja o papel usado, o número de cores de impressão ou a sua dimensão. Explicando melhor, os manuais de matemática do 5.º ano de escolaridade oferecidos no mercado têm todos o mesmo preço; os manuais de português do 12.º ano têm todos o mesmo preço. E assim sucessivamente. Não revela isto a existência de práticas de concertação de preços entre as editoras?
Em segundo lugar, preços muito elevados. A fatura paga por uma família de um aluno do 10.º ano de escolaridade pode atingir o valor de 300 euros, para manuais e livros de exercícios em seis disciplinas. Haverá custos de produção de manuais que possam justificar valores da ordem dos 35 euros por disciplina, como acontece com frequência no ensino secundário?
Em terceiro lugar, a impossibilidade prática de avaliação da qualidade e de reutilização dos manuais escolares. Desde 2006 que estão consagradas, em Lei da Assembleia da República, as exigências a que devem responder as editoras escolares, os serviços do Ministério da Educação e as escolas para garantir a avaliação e certificação de manuais escolares, bem como as condições para a generalização das práticas de reutilização. Contudo, as recentes decisões do governo respeitantes à gratuitidade e reutilização dos manuais no primeiro ciclo suscitaram uma controvérsia que revela que tal legislação, com mais de dez anos, não está a ser cumprida. Vejam-se, sobre este assunto, os trabalhos de Bárbara Reis, neste jornal.
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O Estado teve, ao longo dos anos, uma enorme dificuldade em regular este mercado, por razões muito diversas. Falo por experiência própria. É da maior importância tudo o que o Governo possa fazer no sentido de regular melhor o mercado dos manuais escolares. Porém, é igualmente importante tudo o que possa fazer para aliviar as famílias deste encargo, seja através da gratuitidade, seja através do alargamento da ação social escolar ou até do fornecimento direto, às escolas, de materiais didáticos e pedagógicos, que possam substituir, por exemplo, os livros de exercícios.
Os preços dos manuais escolares, sobretudo no ensino secundário, são hoje um obstáculo sério ao cumprimento da escolaridade obrigatória. A ação social escolar é claramente insuficiente, tanto do ponto de vista da cobertura como do acesso. Como referi, no ensino secundário a fatura com manuais e livros de exercícios chega facilmente aos 300 euros. No âmbito da ação social escolar, as famílias podem receber, no máximo, uma comparticipação de 155 euros. Mas essa comparticipação apenas se concretiza no caso de famílias com muito baixo rendimento, por exemplo, famílias de dois adultos e uma criança que tenham, como rendimento base, um único salário inferior ao salário mínimo.
A análise sobre a relação entre as práticas de reutilização dos manuais escolares e a igualdade de oportunidades não pode ser feita, exclusivamente, em termos formais e abstratos, tem que ter em conta a situação concreta do país, em particular o nível de rendimento da maioria das famílias portuguesas.