Balanço zero — 34 anos a começar já!
Uma frase do discurso do primeiro-ministro António Costa na noite de terça-feira, na Conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas que decorre em Marraquexe, não pode passar despercebida, aliás, merece o maior destaque: "Portugal reafirma o seu firme compromisso de ser neutro em termos de emissões de gases com efeito de estufa até ao final da primeira metade do presente século". Este balanço zero de emissões anunciado para 2050 significa uma redução na ordem dos 85% em relação às nossas emissões atuais. Isto significa que as emissões que existirem terão de ser compensadas pela nossa capacidade de retirar carbono da atmosfera através das florestas ou, por exemplo, através de um excesso de energia renovável que consigamos exportar.
Foi a primeira vez que este objetivo foi afirmado pelo Governo português, colocando o nosso país num caminho político consistente com o espírito e a exigência do Acordo de Paris à escala mundial. Juntamo-nos assim a vários países europeus que já estão a agir para a descarbonização da economia e que já traçaram metas idênticas. A Noruega tem já aprovada a meta de balanço zero de emissões em 2030, e a Alemanha aprovou na sexta-feira a meta de reduzir as suas emissões em 95% em 2050, em relação às emissões de 1990.
As implicações de passar de um roteiro de baixo carbono, já existente, para um roteiro neutro em carbono são significativas. As políticas e medidas em curso têm agora de passar a estruturantes e têm de ser ampliadas. Trinta e quatro anos, o que nos separa de 2050, parecem distantes. Mas a transformação que é requerida à nossa sociedade, passar de uma economia baseada em 72% de energia primária importada proveniente de combustíveis fósseis, para um país com 100% de energia de fontes renováveis, é enorme. Têm de ser repensadas opções políticas de consumo individual e coletivo, feitos investimentos que sejam perspetivados no longo prazo e tem que haver uma mudança no nosso estilo de vida.
Portugal pode e deve ser mais ambicioso nos objetivos para 2030 e planear, ao longo de 2017, com a intervenção de todos os setores da sociedade, como atingir esta meta de longo prazo. É precisa uma aposta na eficiência energética, nas energias renováveis, em particular na energia solar, nos transportes públicos, na mobilidade sustentável, complementando com uma estratégia de floresta sustentável. Com esta decisão, não se pode simultaneamente estar a viabilizar a exploração de petróleo e gás natural, em total contraciclo com o objetivo agora anunciado. Muitos são também os desafios de curto prazo: o transporte rodoviário é responsável por 23,5% das emissões e as duas centrais térmicas a carvão para produção de energia eléctrica (Sines e Pego) são responsáveis por 19,5%. Por motivos exclusivamente de eficiência económica, estas ganham prioridade no mercado ibérico de eletricidade.
Podemos sempre considerar que se trata de mais um anúncio fácil que não responsabilizará ninguém, a não ser este Governo. Por isso mesmo vamos trabalhar para conseguir um pacto parlamentar sobre política climática até 2050. A revolução rumo a uma sociedade neutra em carbono e enquadrada pelos objetivos de desenvolvimento sustentável, traçados à escala mundial em 2015 pelas Nações Unidas, tem de ser uma realidade para lidarmos com o maior desafio global do século: travar as alterações climáticas.
Presidente da Zero — Associação Sistema Terrestre Sustentável; escreve segundo o Acordo Ortográfico