E o vencedor é: o muro de Berlim!!!!
A União Europeia tem de arrumar a casa, partindo de uma análise despida de preconceitos e aberta a soluções inovadoras mas eficazes.
Que floresçam dez, 100, 1000 muros, altos e sólidos, para impedir uns de sair e outros de entrar. Na Pátria da democracia moderna, no berço dos direitos do homem, erguem-se barreiras, para dividir, para criar clivagens, para afirmar que uns são superiores, outros inferiores. Até na América se proclama o banimento de imigrantes para preservar o sonho americano. A América contra imigrantes? Alguém se lembra dos westerns?
Teria razão Putin, quando disse que a maior catástrofe do século XX tinha sido o colapso da União Soviética? Foi a ameaça soviética e dos partidos seus sequazes que originou o período ímpar de prosperidade e respeito pelo ser humano que o Ocidente conheceu depois da Segunda Guerra Mundial? Não foram os valores, a que tanto aludimos, que gostaríamos de ver como elemento agregador da Europa e do mundo civilizado? Bastou o desaparecimento dessa ameaça externa e interna para nos lançarmos numa aventura que subverteu as políticas económicas e sociais que estiveram na base do processo solidário de integração europeia e nos confina a uma situação de grande vulnerabilidade perante os diversos tipos de ameaças inesperadas que hoje nos atemorizam.
Sirva ao menos de consolo que não se tenha inserido no preâmbulo do Tratado de Lisboa a referência à herança cristã da União Europeia. Evitou-se uma blasfémia. Porque o sentimento crescente em largos sectores da opinião pública europeia é o do medo, do desprezo, se não do ódio ao próximo, ao diverso, levado ao extremo da sua deslegitimação. Os outros que se danem nas cidades sírias ou nos confins do Sudão, em trapalhadas que o Ocidente tanto ajudou a criar. Nós, ricos ou pobres, nativos ou já residentes legais, queremos é preservar a nossa zona de conforto.
Os governantes europeus vão seguindo a sua rotina, cumprindo os seus rituais, sem aparente capacidade de traçar um caminho para nos tirar deste ambiente de “pré-guerra”. Era bom que despertassem para enfrentar una situação crítica que exige um espírito de estadista para sairmos dela.
Não é com medidas costumeiras, nem apelando à retórica vazia de “mais Europa” que lá vamos. Há que reflectir a fundo nos desafios que temos pela frente e ter a coragem de tomar as medidas necessárias, por drásticas que possam parecer.
Desde logo assumir o contexto do um mundo em forte mudança e a intervenção de novos actores não estatais, bélicos ou criminosos. Os próprios mercados assumiram poderes que se sobrepõem ao dos Estados soberanos e impõem uma política “sem alternativas”, que desvirtua a democracia (a mesma política independentemente das escolhas dos eleitores) e corrói os valores em que assenta a civilização europeia e tanto gostamos de dizer que nos unem, quando são diariamente violados e ignorados.
Mundo que se encontra numa verdadeira encruzilhada política, com alterações nos equilíbrios geostratégicos de que derivam tensões a leste, no Pacífico, além do incêndio letal que grassa no Médio Oriente e no Magrebe; com o incremento de tendências proteccionistas, sinais que marcaram muitos dos períodos que antecederam grandes conflitos; com o propagar do nacionalismo, do populismo e de derivas autoritárias mesmo em democracias firmes.
Mas também no plano social, com a mudança cada vez mais acelerada do paradigma, passe o palavrão irritante mas fácil, da produção, com consequências pelo menos imediatas num mundo cujo equilíbrio assenta no trabalho e idealmente em empregos para todos e com a evolução dos meios tecnológicos, que revolucionou a comunicação no espaço e no tempo.
É neste contexto que a União Europeia tem de arrumar a casa, partindo de uma análise despida de preconceitos e aberta a soluções inovadoras mas eficazes. Desde logo respeitar os tratados, que estipulam a gestão da soberania transferida para a União em conjunto e não com base num qualquer tipo de directório. Completar de uma vez o mercado interno, em que o capital não pode ser o único elemento com liberdade de circulação. Reconhecer que a moeda única se tornou no calcanhar de Aquiles da União e reformá-la de modo a que possa cumprir os objectivos que levaram à sua criação; resolver os problemas dos países em dificuldades em vez de puni-los, insistindo em receitas ideológicas e voluntaristas que, ao fim de oito anos, provaram por demais a sua ineficácia; encarar em conjunto a tragédia dos refugiados com base nos valores europeus que tanto apregoamos.
Como leitor assíduo de livros de História, angustia-me sempre constatar as sequências de decisões erradas, tantas vezes baseadas na arrogância, no orgulho, no voluntarismo que levaram a múltiplos desastres ao longo dos tempos. Agora, angustia-me, assistir, ao vivo e em directo, a esse mesmo trajecto.
Embaixador reformado