Está há mais de 700 dias no desemprego, tanto tempo quanto o que a filha tem. Coincidência? Nem por isso. Catarina Correia trabalhava como assistente técnica num centro que acolhia crianças problemáticas na zona da Amadora. Começou ali a recibos verdes até que a Junta de Freguesia local lhe fez um contrato de três anos, renovável por igual período. No final dos seis anos e com a promessa de um lugar nos quadros, Catarina engravida – após um anterior caso de aborto de que a entidade empregadora também teve conhecimento.
“Foi em 2014, na altura em que houve a junção das juntas e as pessoas mudaram. Veio um novo presidente e eu percebi logo que o meu lugar estava em risco”, explica ao P3.
Por esse motivo, numa fase inicial, a jovem, na altura com 30 anos, tentou esconder a gravidez até que surgiram complicações fruto de uma ansiedade extrema. Ao terceiro mês de gestação, Catarina viu-se forçada a meter baixa por gravidez de risco e percebeu que aquele era o princípio do fim. “O contrato terminava em Fevereiro e em Dezembro pus baixa”. Pouco depois, em Janeiro, chegou a casa uma carta de despedimento.
“Fiquei muito revoltada, mas era uma entidade pública. Tentei fazer queixa na ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), mas como o contrato terminava não havia nada a fazer”. Fausto Leite, advogado especialista em Direito do Trabalho, confirma: “Trata-se de um caso de caducidade do contrato, e não de um despedimento”. Por mais imoral que seja, “não é ilícito”.
“Vamos extinguir o posto”
Com Ana Luísa Monteiro, a história foi algo diferente — apesar do desfecho comum. Trabalhava como recepcionista numa reconhecida clínica de saúde/estética na zona da Boavista, no Porto, desde Julho de 2014 com um contrato de seis meses, renovável por mais seis.
“Em Janeiro, a responsável de Recursos Humanos disse-me que estava muito satisfeita com o meu trabalho e que queriam que eu continuasse. Nessa conversa, eu já estava grávida do Manuel, mas não sabia”.
Ana Luísa tinha engravidado em Dezembro. Pesava 46 quilos e depressa se começaram a notar no corpo esguio novas curvas. Quando informou a directora de Recursos Humanos, com quem não tinha contacto regular nem directo, esta mostrou-se “ofendida” por não ter sido avisada mais cedo. Algum tempo depois, a sentença surpreendente: alegando dificuldades financeiras, não iam renovar o contrato por “extinção do posto de trabalho”. Porém, na verdade, a clínica só mudou a nomenclatura: deixou de ter uma “recepcionista”, para contratar uma “telefonista”. Ilegal? “Totalmente”, afirma o advogado em entrevista ao P3.
“O que aqui importa é a tarefa em si e não a designação”. Neste caso, Ana Luísa deveria ter pedido a intervenção da ACT num prazo de 3 dias, tendo mais 60 para impugnar judicialmente o despedimento. O advogado acredita que “qualquer juiz consideraria este despedimento ilícito”.
Segundo fonte da ACT, que preferiu não ser identificada, “estes casos são muito frequentes”, mas surgem com uma “capa de aparente legalidade, pelo que não são simples de provar e de sancionar”. Apesar da inspecção ser célere, “a conclusão do processo pode ser morosa”.
“É preciso assustar os empregadores”
Em situações destas, Fausto Leite defende que a Lei devia ser mais acintosa e as entidades empregadoras punidas com pena de prisão e não somente com coimas e proibição de acesso a subsídios públicos. “É preciso assustar os empregadores”, pois as sanções por si só “não eliminam os danos óbvios causados na mãe e no feto”.
De acordo com o previsto nos artigos 553º e 554º do Código do Trabalho, o valor de uma coima depende de vários critérios como a dimensão da empresa, o volume de negócios e o escalão de gravidade da contra-ordenação laboral (leve, grave ou muito grave – e despedir uma grávida é apenas grave). Numa empresa de média ou grande dimensão, uma coima não faz estremecer.
Catarina reporta “stress familiar” e vários constrangimentos financeiros devido ao desemprego, lamentando, sobretudo, o facto de não conseguir pagar uma creche para a filha de dois anos.
Já Ana, formada em psicologia clínica, dá actualmente formação em soft skills para empresas estrangeiras, mas espera encontrar um novo emprego, idealmente na sua área. Já começou a responder a entrevistas, embora saiba que com um filho de nove meses há muitas portas que não chegam a abrir-se.
O que dizem as estatísticas?
A tipicidade destes dois casos é confirmada pelas estatísticas: a partir de 2005, o número de bebés de mães com ensino superior completo ultrapassou, pela primeira vez, os nados-vivos de mães com ensino secundário, tendência que se mantém até hoje. Só em 2015, nasceram 31760 bebés de mães com habilitações superiores, uma fatia que representa mais de um terço do total de bebés nascidos nesse ano (85500 segundo a Pordata).
Numa situação de emprego, note-se que o salário médio mensal do sexo feminino é sempre inferior ao do sexo masculino. E quando se fala em desemprego, são também elas as mais atingidas. Aparentemente, para acrescentar o prefixo, às vezes, basta somar um filho à equação. Talvez por isso, no ano passado, por cada 1000 mulheres em idade fértil só existiam 36 filhos (em 2014, a Taxa de Fecundidade Geral fixou-se nos 34,3 em Portugal, o valor mais baixo da Europa).
Estas mulheres são uma amostra que, embora não representativa, é um retrato elucidativo: investiram na formação e na carreira profissional; a maternidade chegou depois dos 30; têm um único filho (não concebem a ideia de ter um segundo); sentem-se “vítimas de discriminação” porque ousaram ser mães para além de profissionais. Vulneráveis e desamparadas por uma lei que nem sempre as protege, por uma justiça que quase nunca chega.