A ditadura dos grandes não tem fim?
Algo vai muito mal neste país em que a ditadura dos poderosos e o centralismo de Lisboa não parecem ter fim.
A liberdade de abril ainda não foi suficientemente eficaz para libertar o país do jugo centralista e monopolista dos poderes instalados em Lisboa e, em menor dimensão, no Porto. São poderes que se estabeleceram e frutificaram nos tempos mais cinzentos da velha senhora mas que continuam a dominar o país, concentrando toda a atenção dos media, arrebanhando os fundos coletivos com uma voracidade que impressiona e viciando as regras do jogo sempre em seu benefício.
Os exemplos são mais do que muitos: (1) na ciência, em que instituições que conseguem fundos internacionais altamente competitivos são repetidamente preteridas no contexto nacional; (2) na distribuição de fundos nacionais e comunitários, havendo regiões sistematicamente prejudicadas pelas escolhas políticas nacionais; (3) na cultura, em uma única instituição em Lisboa ou Porto recebe mais que os 4 municípios do quadrilátero urbano minhoto – Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos; (4) nos transportes públicos, em que todos os contribuintes pagam os sistemas de transportes de Lisboa e Porto; (5) nos media, em que o destaque é dado, invariavelmente, a eventos e personalidades menores de Lisboa em detrimento de eventos e personalidades com relevo internacional do resto do país; (6) e no desporto, em que os clubes de Lisboa (primeiro) e do Porto (depois) são sistematicamente beneficiados pelas decisões do chamado sistema.
E falemos precisamente do desporto, um campo em que as injustiças, as assimetrias e as desigualdades foram expostas de uma forma particularmente gravosa nos últimos dias. No futebol, em que soubemos que o Tribunal Administrativo reconheceu a ilegalidade das decisões que despromoveram na secretaria o Gil Vicente (de Barcelos) com objetivo de salvar quem havia perdido no campo: o Belenenses (de Lisboa). No atletismo, onde soubemos que a atleta Filomena Costa (do Jardim Serra, de Câmara de Lobos) foi preterida pela atleta Jéssica Augusto (do Sporting CP, de Lisboa) apesar de ter melhor classificação de acordo com as regras definidas pela própria Federação. No andebol, onde a Federação Portuguesa de Andebol, ao arrepio dos regulamentos, decidiu adiar, de forma unilateral e provavelmente ilegal, o jogo da final do campeonato em prejuízo óbvio e evidente do ABC de Braga e em benefício claro do SL Benfica (de Lisboa).
Todos sabemos que as decisões seriam diferentes se os emblemas implicados fossem outros. E esse é o primeiro sintoma de que algo vai muito mal neste país em que a ditadura dos poderosos e o centralismo de Lisboa não parecem ter fim. Talvez os principais responsáveis sejam aqueles que, estando fora de Lisboa e do Porto, apoiam as suas instituições em detrimento das coletividades locais; daqueles que, apoiando essas instituições poderosas, consentem com as graves injustiças que se abatem sobre as empresas, os clubes e as associações menos poderosas do resto do país; e daqueles que, tendo hoje o poder de influenciar decisões, ainda não fizeram o suficiente para catalisar a tão ansiada mudança.
Psiquiatra