Zaha Hadid: uma mulher influente num mundo de homens
Apesar dos prémios e das importantes encomendas que se avolumaram nos últimos dez anos, não existiu um consenso franco em relação à sua obra.
Zaha Hadid foi o maior símbolo da mulher arquitecta. Em nome próprio ganhou os mais importantes prémios de Arquitectura, antes de qualquer outra mulher o ter conseguido: o Pritzker em 2004, ou a medalha de ouro do RIBA em 2015. Hadid representava o cosmopolitismo por excelência, em arquitectura. Era carismática.
Nos anos oitenta do século passado, Hadid era já considerada uma figura maior entre o “star system” da cultura arquitectónica internacional. O seu nome estava associado ao “desconstrutivismo”, movimento arquitectónico vanguardista, uma derrivação do pós-modernismo, celebrizado por Mark Wigley e Philip Johnson na famosa exposição do MoMA - Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, em 1988, intitulada precisamente Deconstructivist Architecture. A ideia central do desconstrutivismo assentava na produção de uma “arquitectura problemática”, construída de fracturas e formas fragmentadas, uma pós-modernidade reinventada a partir de uma revisitação igualmente historicista, como toda a cultura pós-moderna, mas apontando como fonte o construtivismo russo dos anos gloriosos da revolução bolchevique.
Entre os desconstrutivistas que se iniciaram no final dos anos oitenta, Hadid posicionou-se como uma arquitecta virtuosa. Os seus projectos eram essencialmente desenho. Até ao advento do actual milénio, praticamente não construiu. Durante muitos anos, ver uma obra de Hadid significava ir a Basileia ao complexo industrial da Vitra e vivenciar, com a maior intensidade possível, o posto de bombeiros de 1994, entretanto transformada em showroom do mobiliário produzido pela empresa. Ângulos obtusos, escadas improváveis, paredes fragmentadas. A experiência da estação de bombeiros da Vitra desafiava qualquer propósito funcionalista ou até ergonómico menos exigente. Tratava-se sim de quebrar com a geometria euclidiana, de criar um certo desconforto físico, principalmente de testar as fronteiras mais estáveis da disciplina da arquitectura. Tratava-se de operar dentro de uma cultura restrita, intelectual, testando simultaneamente os limites da estética e da técnica. A tecnologia que iria permitir transformar os desenhos de Hadid em obras construídas dava então os primeiros passos, claramente ligada à generalização das ferramentas de computação digital.
Hadid também não era exactamente uma “desconstrutivista” fundamentalista, isto é, não dependia completamente de Jacques Derrida e do discurso filosófico que alimentava a maioria das propostas dos seus colegas. Apesar dos prémios e das importantes encomendas que se avolumaram nos últimos dez anos, não existiu um consenso franco em relação à sua obra. Mas teve importantes defensores, como Koolhaas.
Entretanto naturalizada cidadã britânica, Hadid transformou a arquitectura desconstrutivista numa operação estética, de cunho pessoal, sofisticada e corporativa. Edifícios seus conquistaram as paisagens urbanas de países em processo de desenvolvimento ou em regiões com forte aceleração económica. Desde os Estados Unidos da América, à República Popular da China. Também Macau terá a sua torre de 40 pisos projectada pelo escritório de Hadid, uma empresa formidável à escala mundial.
As primeiras décadas do século XXI foram fundamentais para a afirmação da carreira de Hadid, o momento em que deixava de ser uma referência manuseada entre o círculo reservado dos arquitectos, emergindo como figura pública, com projectos espalhados pelo mundo. Hoje testemunha-se a morte de uma mulher poderosa, influente e claramente temida.
Crítica de arquitectura