Revogação da liberalização do eucalipto? Sejamos sérios…
Fico preocupado quando a Floresta é vista (e usada) como uma moeda de troca política. Não lhe faltava mesmo mais nada!
O Governo prepara-se para revogar o Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização, lamentavelmente designada por alguns por “lei da liberalização dos eucaliptos” (Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho). Isso mesmo se torna evidente em notícias recentes: “Capoulas Santos ultima revogação da liberalização dos eucaliptos” (Jornal de Negócios, 19/01/2016), “Governo trava expansão da área de eucalipto” (Expresso, 22/01/2016). Em resumo, e a fazer fé nas noticias, o vai revogar (não é alterar, nem melhorar) um decreto-lei com cerca de dois anos de vigência, que regulamenta os procedimentos necessários à (re)florestação no nosso país. Fá-lo como cedência política aos Verdes (ao PEV, presumo), sob o pretexto de que a plantação de eucaliptos foi liberalizada o que, presumo, está a ser nefasto para o país.
Será que esta decisão foi tomada após uma análise cuidada dos efeitos da legislação em questão? Foi comparado o ritmo de crescimento da área de eucalipto (e de outras espécies), durante este período, com o ocorrido em “períodos pré-liberalização”? Averiguou-se se este novo regime foi ou não eficaz na não-autorização de determinadas plantações por força do cumprimento da restante legislação sobre a floresta, que este regime, não só mantém, como obriga a verificar? Comparou-se essa capacidade de fazer cumprir a restante lei com a que se verificava no “período pré-liberal”? É de esperar que sim, até porque, graças a este diploma, a informação para tal necessária existe, está disponível e é pública.
Não sei se, no Ministério de Agricultura, essas contas foram feitas. Mas depois do que tenho lido e ouvido, tenho as maiores dúvidas.
Sejamos sérios! O Decreto-lei em questão nunca liberalizou coisa nenhuma. Redefiniu e simplificou procedimentos, desburocratizou, criou rastreabilidade, retirou custos associados à floresta, garantiu a possibilidade de controlo e fiscalização. É graças a ele que podemos saber, hoje como em qualquer momento, qual a área que foi ou não (re)arborizada, com que espécies e em que locais. Em suma, podemos, graças a esta maldita e liberalizadora lei, avaliar em cada momento as dinâmicas principais da nossa floresta, coisa que, até então, não era possível fazer de forma direta, mas apenas por comparação de inventários (de cinco em cinco ou de dez em dez anos).
E o que nos dizem os dados [1] sobre este período de vigência do RJAAR, por comparação com os períodos anteriores [2]? Surpresa: o acréscimo médio de área de eucalipto em 21 meses de aplicação da nova regulamentação (dados disponíveis de outubro 2013 a junho 2015) é a mais reduzida dos últimos 20 anos! O aumento líquido de área de eucalipto (novas áreas expurgadas de áreas que foram rearborizadas com outras espécies) foi, nesta “era da eucaliptização desenfreada”, de 2.900 ha/ano (0,31% ao ano), enquanto na “era do pseudo-controlo” esse aumento foi de 6.850 ha/ano (0,92%/ano) entre 1995 e 2005, de 5.200 ha/ano (0,66%/ano) entre 2005-2010 e de 6.300 ha/ano (0,83%/ano) quando olhamos para o período entre 1995 e 2010. A restante área plantada com eucaliptos neste período (9.322 ha) foi substituir povoamentos que já eram de eucalipto, visando a melhoria das suas condições ecológicas e o consequente aumento da sua produtividade.
Dos 5.109,4 hectares de nova área de eucaliptos plantados ao longo desta “era liberal”, apenas 841,8 ha foram plantados em áreas que reuniam condições para avançar com base apenas numa comunicação prévia ao ICNF (mas com a obrigação de cumprimento de todos os requisitos legais). Os restantes 4.267,6 ha exigiram autorização expressa dos serviços florestais o que significa que teriam sido plantados mesmo sob a anterior legislação.
Percebem a lógica da liberalização? Quando a lei liberaliza, planta-se menos. Quando a lei proíbe e controla, planta-se mais. Os proprietários florestais portugueses, especialmente os “eucaliptizadores” (oh, raça maldita!), são mesmo do contra.
Se apresento estes dados (que, repito, são públicos) não é para dizer que o Decreto-lei em causa é perfeito. Acho até que seria muito positivo o governo, em vez de pré-anunciar a sua revogação, promover um debate sério sobre ele, para ver o que é possível melhorar. Faço-o apenas para evidenciar que, como sempre defendi, ele nada liberalizou.
E já agora: qual terá sido a área que, graças ao RJAAR, não foi plantada com eucaliptos, por indeferimento dos pedidos de autorização? Esta informação não aparece disponível na página do ICNF, mas foram certamente umas largas centenas de hectares. Atrevo-me a dizer que esses pedidos, agora indeferidos, teriam já avançado à luz da legislação e das práticas anteriores. E quantos processos de contraordenação foram levantados no âmbito da aplicação desta nova regulamentação por incumprimento da legislação florestal? Nada mais, nada menos do que 814 (mais de 1,3 por dia!). Sem o RJAAR, nada se saberia. Sem o RJAAR, tudo se plantaria (como se plantou). Esse sim, foi um período em que a (re)florestação foi regulada por pequenos (às vezes muito grandes) poderes e interesses locais, em que o custo de instalar um povoamento florestal se media em tempo de espera (longos meses) e em euros de taxas a pagar.
Não tenho, nem nunca tive, nenhum interesse particular no eucalipto. Mas custa-me que um titular do governo do meu País, que pessoalmente respeito, se prepare para tomar uma decisão destas com base em sound bytes facilmente desmentíveis pelos factos. Ou então que a tome “porque sim”, porque há um preço a pagar. Fico preocupado quando a Floresta é vista (e usada) como uma moeda de troca política. Não lhe faltava mesmo mais nada!
[1] Dados retirados da Nota Informativa do ICNF, de Julho de 2015, sobre a aplicação do DL em questão http://www.icnf.pt/portal/florestas/arboriz/resource/docs/not-info/Nota-Informativa-Julho-2015.pdf
[2] Dados dos Inventários Florestais Nacionais 4 (1995), 5 (2005) e 6 (2010)
Agrónomo e professor universitário, ex-Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural