Carta aberta ao ministro da Saúde
O SNS só se pode erguer com aqueles que acreditam nele e na sua capacidade de regeneração.
Exmo. Sr. Ministro da Saúde, Dr. Adalberto Campos Fernandes. Dirijo-me a si, como Ministro da Saúde recém-eleito, para manifestar algumas preocupações que sei serem do interesse de parte significativa da população portuguesa.
O Inverno chegou e, com ele, a a gripe. Intensifica-se a correria às urgências hospitalares, aumentam as longas filas de espera, adensa-se o clima de enorme pressão em que os profissionais de Saúde são obrigados a trabalhar – enfim, instala-se o caos em muitos hospitais e ocorre o colapso de equipas de urgência que exigem a presença de especialistas. Esta visão, dramática e, para alguns, tremendista até, corresponde afinal a uma situação que evidencia as graves disfuncionalidades existentes no sector, designadamente na zona da Grande Lisboa, mais povoada e com menor resposta dos respectivos centros de saúde.
A onda de notícias referentes à morte de um jovem por hemorragia cerebral, resultante da ruptura de um aneurisma, revela falhas da responsabilidade do Governo anterior quanto à incapacidade de organizar Urgências Hospitalares Especializadas, assente na recusa da proposta de modelo de urgência de prevenção centralizada e rotativa pelos diferentes serviços envolvidos.
Estes e outros problemas que seguramente estarão a ser já motivo da sua preocupação à frente do Ministério da Saúde exigem uma estratégia articulada e clara e a introdução de mudanças do rumo nas políticas de saúde. Todos nós, profissionais de saúde e as populações em geral, temos enormes expectativas e pugnamos pelo início de um novo ciclo no que respeita aos cuidados de saúde em Portugal.
Sabiamente, bem no início da crise financeira em que o Ocidente está mergulhado, Margaret Chan, diretora da Organização Mundial de Saúde, alertou os governos para que, "antes de se cortar nas despesas em saúde, se procurarem primeiro as oportunidades para aumentar a eficiência".
No mesmo sentido da eficiência e do combate ao desperdício e à corrupção, deliberou em 2005 a Assembleia Mundial da Saúde.
Mas os antigos inquilinos do Ministério da Saúde foram surdos a estes apelos e com a chegada da Troika a Portugal deram corpo e forma a uma política de cortes a torto e a direito, diminuíram os salários, os abonos e as pensões e destruíram a capacidade económica de largas camadas das populações.
Por incompetência ou propositadamente a era Macedo/Leal da Costa tudo fez ao contrário, destruindo o Serviço Nacional de Saúde e colocando-o numa letargia comatosa.
Meu caro ministro,
Ainda vamos a tempo! O diagnóstico está feito e conhecemos as terapêuticas adequadas. O espírito que levou à construção do Serviço Nacional de Saúde tem de renascer.
Contra o primado hobbesiano de que “o homem é um lobo para o homem”, à concretização deste arquétipo torna-se essencial que os profissionais da política, e do exercício dos cargos dirigentes, possuam a virtù, tipificada por Maquiavel como a capacidade de adaptar e concretizar os acontecimentos políticos que possibilitarão a permanência e o exercício justo e equilibrado do poder.
É necessário auscultar e responsabilizar os trabalhadores de saúde e as comissões de utentes.
É necessário motivá-los e fazer regressar aqueles que partiram em busca de melhores condições de trabalho.
É necessário promover uma gestão competente e, porque não, regressarmos à eleição dos Diretores Clínicos e aos concursos dos Chefes de Serviço.
A Democracia só se pode construir com democratas, o SNS só se pode erguer com aqueles que acreditam nele e na sua capacidade de regeneração.
E como tão bem teorizou o já desaparecido sociólogo alemão Ulrich Beck, com a sua concepção, bem pertinente aliás, sobre a “institucionalização do individualismo”, é neste panorama de elevada exigência, que as associações profissionais assumem especial destaque na procura de soluções exequíveis, integrativas e sustentáveis. Como médicos, chamados uma vez mais a participar, temos o dever e o direito de assumir as nossas responsabilidades individual e profissional, de forma fundamentada, num pleno exercício de cidadania. Por isso, não duvide em contar connosco, caro Ministro, como parceiros activos e assertivos de uma nova política capaz de levar mais longe e a mais destinatários uma Saúde melhor, mais justa e mais abrangente.
Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos