Fui a primeira a chegar. Uma manhã solarenga à beira-rio e um (re) encontro marcado. Conhecemo-nos há uns anos através de um amigo querido do Porto, e apesar de hoje em dia vivermos na mesma cidade poucas vezes nos cruzamos. Restaram-me as redes sociais onde eu pude ver crescer Dagu — o alter-ego de um artista versátil com exponencial de fazer corar os mais púdicos, camuflado de Daniel Silva.
O Daniel Augusto da Silva — 30 anos, natural do Porto a residir em Lisboa — é bailarino. Quando chega cumprimenta-me num abraço entre orgulhos mútuos expressos timidamente. Desafiei-o a conversar comigo sobre a sua arte, mas também a deixar-me fotografar a sua expressão corporal.
A postura e a presença deste bailarino de 1,85m que se impõe em danças para a minha lente são inegáveis. Corpo atlético e de barba rija assume a imagem como acessório ao seu trabalho e não se inibe abordando estilos como o street jazz com influências de vogue e girlie. “A versatilidade é a chave para o sucesso” - confidencia-me.
Desde cedo que se interessa por dança e a música é uma constante, não interessa o formato, desde que lhe permita dançar. “Peço-te um minuto de silêncio pelos cerca de 30 pares de auscultadores que estraguei até hoje. Ficava furioso, pois sempre que me entusiasmava e soltava a dançar, frente à TV a imitar as coreografias dos meus artistas preferidos da pop, r&b e electrónica, os braços enfiavam-se pelos fios e o leitor de música voava, era inevitável. Mega obrigado ao futuro e ao ‘wireless’, Ámen.” – conta-me entre risos.
Foi e é professor também, tendo atravessado várias fases no ensino consoante o seu percurso. Foram os testes psicotécnicos após o liceu que o ligaram às artes e à performance, mas a dedicação e vocação é-lhe intrínseca, o que o levou a explorar o domínio corporal e técnicas variadas — hip-hop, dancehall, africanas, jazz, house e até bollywood — para poder criar a sua identidade como bailarino. Nessa altura deu aulas em algumas escolas e academias no norte, complementando com formação em Instrutor de Fitness Internacional pela MaNZ para comportar gastos e despesas do dia-a-dia, dando-lhe a estabilidade necessária para continuar a investir em formação nesta àrea.
Apesar de todos os medos, dúvidas e inseguranças, a vocação falou mais alto. Em 2012 emalou todas as incertezas e rumou a Lisboa em busca de evolução na sua identidade artística. Enveredou na Escola Superior de Dança e licenciou-se em Dança — foi durante este processo que conheci o Daniel. Lembro-me dele me contar como eram as aulas desde o clássico ao contemporâneo, entre colheradas de gelados de iogurte sentados num banco do Príncipe Real.
Em termos profissionais já fez um pouco de tudo, desde musicais, trabalhos comerciais, televisão, publicidade; bailarino de alguns artistas, animação, peças, performances; e membro de várias “crews” de dança. Desta multiplicidade de trabalhos é-lhe difícil destacar somente alguns. Há momentos que jamais esquecerá, como pisar o palco do MEO Arena esgotado, mas garante-me que todos os momentos contam e ficam — desde antes de entrar no palco até à vénia final; desde as negações em audições até às confirmações — tudo conta para a construção da confiança e valorização pessoal e profissional, apesar de também admitir que ser bailarino é uma espécie de garantia vitalícia de alta pressão e exposição constante.´
“Interpretar a “Princesa dos Sapatos de Ferro”, numa peça contemporânea ‘APPSTODOSANU’ dirigida pelo professor/coreógrafo Francisco Pedro, foi hilariante e deu-me um prazer enorme. Não só pela liberdade que houve no processo de criação, mas também pela destreza e confiança despoletada nos intérpretes, despindo-nos de preconceitos e inseguranças, e permitindo explorar os nossos limites em palco. Tive os meus pais na plateia de estreia, e um bailarino de 1,85m com um vestido de princesa, uns sapatos literalmente de ferro nos pés e barba cerrada, que por acaso é filho deles, é algo que não vêem todos os dias, no entanto acho que vão ter de se habituar.”
Como inspiração refere-me bailarinos como a francesa Laure Courtellemont no Dancehall e a portuguesa Diana Matos, entre outros; e coreógrafos como Akram Khan, Brian Friedman, Yanis Marshall, Kevin Maher. E agradece acima de tudo o crucial apoio e energia da família, da cara metade e amigos mais próximos.
Numa área que confessa não sentir destaque nas artes em Portugal, o Daniel luta pela força e pela credibilidade que acredita que esta arte e profissão merecem. Como coreógrafo dentro do streetjazz tenta garantir que os alunos evoluam através de um ensino estruturado, fundamentado e acima de tudo tenta desenvolver um trabalho continuo por forma a manter a motivação, o foco e a disciplina. Como artista promove o seu trabalho de forma coesa e com clara dedicação, sempre em alerta para audições com um enorme jogo de cintura para conciliar ensaios, horários, projetos e reuniões.
Neste momento podemos encontrar o Dagu na companhia Kwenda Lima de Afro-Contemporâneo, a dar aulas, “workshops”, e em projectos comerciais; e online a desenvolver um portfolio audiovisual individual dentro do Street jazz e Fusion em parceria com a bailarina Rita Spider que será brevemente revelado; e para o novo ano que se avizinha conta ainda em internacionalizar-se elevando a sua máxima a um outro nível – “Life begins ate the end of your comfort zone.”
Uma mão cheia de expectativas é com o que termino este ano de 2015, e que 2016 seja uma caixinha de boas surpresas para todos.