Muçulmanos nos EUA enfrentam hostilidade crescente
A culpa é dos atentados de Paris e do ataque de San Bernardino. Mas também de Trump, Carson e Bush, com a retórica anti-refugiados e anti-islão nas suas campanhas eleitorais.
Mirvette Judeh começou a cobrir o seu hijab com um capuz há duas semanas, quando vai no carro com os seus dois filhos. Explicou-lhes que alguém podia querer fazer-lhe mal porque o lenço na cabeça identifica-a facilmente como muçulmana. “Agora tenho deter estas conversas com os meus filhos” diz Judeh, de 39 anos, que vive no Sul da Califórnia. “É isso que me parte o coração – dizer aos meus filhos que a escolha que fiz de assumir a minha religião pode ser um perigo para mim”.
À medida que uma onda anti-islão foi crescendo nos EUA após o massacre de San Bernardino (14 mortos), levado a cabo por um jovem casal de muçulmanos radicalizados e inspirados pelo Estado Islâmico, muitas famílias muçulmanas temem pela sua segurança, ao mesmo tempo que questionam as suas identidades americana e muçulmana.
Judeh, por exemplo, disse aos seus filhos que as suas acções vão ser mais escrutinadas por causa da sua religião. Ensinou ao seu filho de oito anos para nunca dizer, nem sussurrar, a palavra “rebentar” na escola, seja em que contexto for e para nunca brincar com armas, mesmo se os amigos o fizerem. O filho perguntou-lhe se as pessoas o odiavam a ele e à sua família, uma pergunta que ela tem dificuldades em responder, depois de ouvir insultos e ameaças por causa do hijab.
Os problemas ganharam uma nova dimensão depois dos atentados de Paris de 13 de Novembro, em que radicais ligados ao Estado Islâmico mataram 130 pessoas. Mas mesmo antes da tragédia em França o sentimento anti-muçulmano já estava a aumentar, instigado pela retórica dos candidatos republicanos à Casa Branca. Veja-se a declaração de Ben Carson de que um muçulmano nunca poderia ser Presidente dos EUA ou recente proposta de Donald Trump de proibir a entrada no país a todos os muçulmanos, passando pela proposta de Jeb Bush de só autorizar a entrada de refugiados sírios que fossem cristãos (que representam um fracção minúscula dos milhões que fugiram do país em guerra).
Algumas famílias muçulmanas dizem que temem uma vaga de crimes de ódio contra a sua religião, como o caso da cabeça de porco que foi encontrada à porta de uma mesquita em Filadélfia no dia 7 de Dezembro. A carne de porco é haram, proibida, no islão.
Depois há casos menos mediatizados, como o da mulher que atirou café a ferver a um grupo de muçulmanos que estava a rezar num parque na Califórnia no dia 6 de Dezembro.
O Conselho de Relações Americo-Islâmicas, que mantém registos deste tipo de incidentes, diz que a escala de vandalismo, estragos e intimidações nas mesquitas este ano é a pior dos últimos seis anos, altura em que começou a monitorizar a situação. Muitos dos 2,8 milhões de muçulmanos americanos dizem temer que este tipo de tensões possam extremar-se durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais, marcadas para o final de 2016. A verdade é que a pré-campanha para escolha do candidato republicano, a decorrer, já se revelou carregada de ódio e intolerância.
Ser americano
Os jovens muçulmanos dizem sentir com regularidade a necessidade de provarem como são verdadeiros americanos para se demarcarem dos radicais. Para alguns, como Sara Haddad, isso significa lembrar às pessoas que também eles gostam de ver futebol americano e de ouvir música pop. “Adoro os Dallas Cowboys”, referindo-se à popular equipa do Texas. “E também passo o Dia de Acção de Graças com os meus pais. É quase como se tivéssemos que estar sempre a dizer ‘eu sou muito americano’. Mas afinal o que é um americano?”, pergunta Haddad, de 27 anos, que é investigadora científica na área do cancro na Carolina do Norte e tem uma filha de seis meses.
Haddad diz que ainda não decidiu como é que vai explicar o islamismo radical ou a retórica anti-muçulmana à sua filha quando ela for mais velha. Compara este dilema aos dos pais que tem que decidir quando dizer aos filhos que o Pai Natal não existe, na esperança que a sua inocência dure o máximo possível. “Os atentados do 11 de Setembro destruíram a minha inocência de criança”, diz, recusando-se a aceitar que daqui a cinco anos isto “esteja tão mau ou pior”.
Em Baltimore, Arif Khan diz que não quer que a infância do seu filho seja definida por conversas sobre tiroteios e atentados. Explica que ele e a mulher, que usa hijab, tomam precauções quando saem de casa. Certificam-se de que ninguém os está a seguir e escolhem com cuidado os locais públicos para rezar quando não estão em casa. Querem que o seu filho recém-nascido também seja vigilante à medida que for crescendo. Mas também esperam poder ensinar-lhe que os valores americanos e muçulmanos são complementares.
“Não queremos que o seu mundo esteja centrado em como combater os estereótipos negativos contra nós”, explica Khan, de 29 anos. “Queremos que ele seja um exemplo do que são os verdadeiros valores americanos e do islão”.
Jinan Al-Marayati, uma muçulmana de 15 anos que frequenta uma escola católica em Los Angeles, diz que muitas vezes se sente pressionada para defender a sua religião quando se fala dos radicais do Estado Islâmico nas aulas. Embora não fuja às perguntas dos professores e dos colegas, acaba por se colocar numa posição em que minimiza a sua origem palestiniana e a sua fé no islão quando está com os seus amigos americanos. “Sinto que tenho duas identidades”, diz Al-Marayati. “Com os meus amigos muçulmanos sinto que não sou suficientemente muçulmana, como os meus amigos não-muçulmanos não falo sobre certas coisas que se estão a passar para não os colocar numa situação desconfortável.”