Os cidadãos não têm armas
Não convém que a Europa, no seu afã de se mostrar solidária, acabe por se tornar suicidária.
Entre outros infelizes, revoltantes, terríveis aspectos dos atentados terroristas em Paris no passado dia 13 de Novembro e com “ecos” nos dias seguintes, que causaram (no momento em que escrevo) mais de 130 mortos, surpreendeu a asserção, feita por muitos, de que se tratava de algo “sem precedentes” em França. Então, o que foram, em Janeiro, os ataques das “trevas”, também na “Cidade-Luz”, à redacção do jornal Charlie Hebdo e ao supermercado kosher Hypercacher, que causaram 20 mortos? E, alargando o âmbito à Europa, o que foram os atentados de 2004 em Madrid (191 mortos), de 2005 em Londres (56), de 2010 em Moscovo (40) e de 2015 em Ancara (102)?
Também foram surpreendentes a atitude e a posição, marcadas pela firmeza e pela determinação, de François Hollande a seguir ao sucedido, declarando – e reconhecendo – que o seu país está em guerra com os islamitas radicais e prometendo que tudo será feito, tanto aquém como além-fronteiras… que, afinal, são necessárias e devem, mesmo que ocasionalmente, ser repostas. E surpreenderam não tanto por se duvidar de que o presidente francês teria esta força mas sim por só a demonstrar, na sua plenitude, agora. Porque não o fez há 11 meses? Porém, mais importante do que explicar a (aparente) inacção do governo gaulês é tentar responder à seguinte pergunta: porque é que isto aconteceu… novamente? Porque houve mais, tantos, mortos e feridos?
Porque os atacantes são “(des)educados” desde cedo a odiar os valores e as liberdades da Civilização de matriz judaico-cristã, tudo o que não esteja conforme ao Islão? Sim, mas não só nem principalmente. Porque os atacantes não receiam as consequências, não tanto para eles, que no fundo são todos suicidas e estão dispostos a morrer, mas mais para as suas comunidades, pois sabem que os seus familiares não serão expulsos, as suas casas não serão demolidas – como acontece em Israel – e as suas mesquitas não serão encerradas? Sim, mas não só nem principalmente. Eis a resposta, a explicação, principal e incontestável: tantas vidas se perde(ra)m ou fica(ra)m marcadas para sempre, tanta destruição é causada, tanto medo e tanta mágoa é acumulada, porque, muito simplesmente, os atacantes sabem que vão encontrar inexistente, ou reduzida, ou atrasada, resistência… armada.
Aqueles parisienses, permanentes ou ocasionais, estavam completamente indefesos, totalmente à mercê da fúria impiedosa e incansável dos assassinos. A polícia não está – não consegue estar – permanentemente presente junto de quaisquer possíveis alvos, que, actualmente, e cada vez mais, são, podem ser, todos, é, pode ser, tudo. Pelo que é fundamental, prioritário, urgente, que aos indivíduos (maiores de idade e sem cadastro criminal), às famílias, às empresas (incluindo restaurantes e salas de espectáculos…), às instituições não estatais e/ou que não têm a dimensão suficiente para disporem de protecção pública, sejam providenciados os meios – isto é, as armas e o treino para correctamente as utilizar – que aumentem a sua segurança. E isto, obviamente, sempre em articulação, em colaboração, com as forças da ordem. E, progressivamente, talvez se chegasse a um ponto em que as armas nem precisariam de ser usadas: só a suspeita de que elas estariam, e em grande número, por perto seria suficiente para dissuadir potenciais terroristas e outros criminosos.
Não convém que a Europa, no seu afã de se mostrar solidária, acabe por se tornar suicidária. Não é aconselhável que o Ocidente, traumatizado por tantos ataques, opte por negar, rejeitar a realidade nua e crua… e cruel, recusando-se a apontar os verdadeiros culpados e preferindo acusar inocentes. Não são orações, flores, canções, velas e reproduções da bandeira tricolor um pouco por todo o Mundo que vão comover e parar os assassinos. É preciso ter cuidado, lucidez, estar preparado, prevenido… e não ser ingénuo. É algo incongruente entoar, emocionada e repetidamente, “A Marselhesa” e, em especial, “Aux armes, citoyens!”, quando os cidadãos não têm armas… e não apenas em França.
Jornalista e escritor