Ciência em acesso aberto: deixem os cientistas mostrar o que fazem
Desde a declaração de Budapeste em 2002, um debate sobre a disponibilização de resultados da investigação científica em acesso livre a toda a comunidade, multiplicaram-se as iniciativas e, ainda assim, o acesso livre não vinga.
Após todo o trabalho gratuito, se um cientista quiser ler um artigo científico tem de pagar. Em alternativa, a biblioteca da sua instituição tem de pagar valores que são tudo menos baixos. Atualmente, estima-se que o valor global das assinaturas pagas na Europa pelas bibliotecas às editoras de revistas científicas ronde os 7000 milhões de euros por ano. Este valor poderia dar emprego a muitos cientistas ou pagar equipamento para investigação. É evidente que isto não faz sentido.
E, no entanto, toda a comunidade científica joga este jogo e alimenta-o.
Está em curso, desde a declaração de Budapeste sobre Open Access (Acesso Livre) em 2002, um debate sobre a disponibilização de resultados da investigação científica em acesso livre a toda a comunidade. Passaram já mais de dez anos, multiplicam-se as iniciativas e, ainda assim, o acesso livre não vinga.
Esta semana, uma vez mais se discutiu, em reunião na Comissão Europeia, em Bruxelas, os modelos e a sustentabilidade dos modelos de Acesso Livre. Foi claramente demonstrado que o Acesso Livre é sustentável e que as instituições podem até poupar dinheiro, se houver uma política colaborativa. Foi reafirmada a posição dos reitores das universidades holandesas, no seu boicote conjunto ao pagamento de assinaturas a editoras comerciais e foi dito que este boicote só fará sentido se lhes for associado o apoio de outros países, sendo crucial o que vai acontecer na cimeira sobre este tema em Berlim, a 8 e 9 de dezembro.
Se isto é tudo tão claro e evidente, pode não ser claro por que motivo ainda não se deu a mudança necessária.
É preciso entender-se por que motivo os cientistas publicam e isso leva-nos à essência do que é fazer ciência. A ciência serve para produzir conhecimento, para dar resposta a questões, para resolver problemas complexos. Citando o Prof. Jean-Claude Guédon, quando pensamos que um dos principais temas da ciência é como lidar com as alterações climáticas, percebemos que “a nossa sobrevivência como espécie pode depender do conhecimento que produzimos”. Assim, nós publicamos para tornar este conhecimento produzido público. Para o tornar acessível a toda a gente. Se este é o desígnio, só faz sentido que seja de acesso livre.
Então, porque hesitam os investigadores? Porque têm pessoas por trás, como eu, que dirijo uma instituição, a dizer (quase esquizofrenicamente) que é preciso publicar nas revistas indexadas na Web of Science e na Scopus, que são, por sua vez, alimentadas pelas editoras comerciais.
E por que motivo o fazem os dirigentes das instituições? Por uma razão simples: dinheiro. Para garantir que as instituições são financiadas, é preciso garantir financiamento de projetos, recrutamento de investigadores e boa presença nos rankings internacionais e, em tudo isto, só tem contado o que não é publicado em acesso livre. Isto acontece porque os investigadores e as instituições são empurrados para uma competição desenfreada, em que tudo é medido, independentemente da qualidade intrínseca, apesar de se saber que os avanços na ciência se fizeram em colaboração e não em competição.
O que é, então, preciso mudar para que os investigadores se preocupem em publicar com a preocupação de tornar público o conhecimento e não com a preocupação de acrescentar mais uma linha ou um fator de impacto ao seu CV? Quem tem o poder de mudar? A chave está na mão de quem faz a agenda política da ciência. Alguns dos passos a dar são os seguintes:
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Valorizar a publicação em acesso livre na avaliação de curricula e instituições, desde que se cumpram as boas práticas de avaliação;
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Incentivar a participação das instituições em consórcios que garantam a sustentabilidade das plataformas de acesso livre;
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Financiar concursos que fomentem a colaboração entre instituições e investigadores como garantia de produtividade, privilegiando a cooperação como forma de promoção da qualidade.
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Orientar a política científica para a avaliação da qualidade e não da excelência, focando os processos de avaliação e seriação na qualidade de produtos e não na suposta excelência de indivíduos descontextualizada dos seus contextos de atuação.
Os investigadores são reativos e estão estrangulados pela falta de recursos. Têm a obrigação de devolver à sociedade o investimento público, tornando acessível a todos o conhecimento produzido, mas para que isso aconteça os agentes políticos têm de dar sinais claros que não os penalizam se o fizerem. Caso contrário, tudo ficará na mesma, para mal de todos.
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa