PàF!

Enquanto a coligação de direita insiste que não há outro caminho, o PS demonstrou que há alternativas.

Levaram à falência milhares de empresas, lançaram no desemprego centenas de milhares de trabalhadores, condenaram ao exílio meio milhão de jovens emigrantes, desmantelaram os serviços públicos e privatizaram ao desbarato quase tudo quanto tínhamos para vender. Arrependeram-se? Nem por sombras: era esse “o único caminho” e era por aí que pretendiam prosseguir.

Com a esperança de iludir a previsível censura popular, apresentaram-se às eleições de outubro de 2015 disfarçados de PàF: uma “coisa” sem nome, sem rostos nem sequer um programa. Embora tenham camuflado o seu desastre eleitoral, acabaram por facilitar aos cidadãos o julgamento da sua governação. E o Governo foi condenado, sem remissão, por mais de sessenta por cento dos eleitores e incontáveis votos nulos, brancos e abstenções. A 4 de outubro Passos Coelho ficou praticamente empatado com o PS e nem mesmo aliado ao CDS conseguiu atingir a maioria de que necessitava para prosseguir as políticas do governo cessante. Chegara o momento de apelar por socorro ao PS – o partido que sempre acusaram de ser o único responsável por todas as desgraças do país e que diziam ser igual aos outros partidos de esquerda com que, todavia, afirmam que não podem falar! Chegara o momento de o lobo mau se disfarçar de avozinha indefesa e implorar ao maior partido da esquerda que pague a conta dos incalculáveis prejuízos que deliberadamente infligiram ao país. Para excluir outros interlocutores, ressuscitam memórias ancestrais, dos tempos em que a União Soviética disputava a hegemonia mundial com os Estados Unidos, a Europa estava dividida por um muro que atravessava o centro da cidade de Berlim e todos temíamos que a humanidade se extinguisse numa guerra nuclear planetária. Memórias que ainda estimulam ressentimentos e preconceitos atávicos na sociedade portuguesa. De facto, alguns esqueceram que, depois do PREC, os comunistas se converteram às regras da democracia representativa, que a guerra fria acabou e até Washington se reconciliou com Havana.

O Mundo, desde então, passou por mudanças substanciais. Agora, os países do sul da Europa pagam a fatura mais pesada da tremenda crise económica que a especulação financeira internacional provocou em 2008. Não é apenas a esquerda radical quem critica os efeitos assimétricos da construção inacabada do Euro. Entre os críticos da União Monetária, contam-se ilustres conselheiros económicos do Presidente americano que já conseguiu tirar o seu país da recessão, ao contrário desta Europa que permanece estagnada. Indiferente à sorte dos seus vizinhos, a Europa permitiu que o Mediterrâneo se transformasse num cemitério para os que fogem do caos provocado pelas políticas insensatas do ocidente, no Iraque ou na Síria, e a intervenção desastrosa da NATO, na Líbia, é outro tópico de generalizada controvérsia. O recente sobressalto humanitário da chanceler alemã chega tarde e não basta para resgatar a esperança de quantos viam na construção europeia um exemplo para o Mundo. Depois da tentativa gorada de expulsão da Grécia, o debate sobre o destino da Europa é o tema que mais importa aos europeístas empenhados na construção de novas soluções.

A verdade é que as políticas de austeridade que desqualificam a generalidade dos cidadãos e destroem as instituições do Estado, ameaçam todo o património civilizacional arduamente construído pelos povos europeus, desde a Segunda Guerra Mundial, em nome da paz, da solidariedade e da democracia. São estas as grandes questões políticas com que se confrontam a Europa e o Mundo. São as mesmas que determinam também em Portugal as clivagens políticas que efetivamente importam.

Enquanto a coligação de direita insiste que não há outro caminho, o PS demonstrou que há alternativas e que, sem faltar ao cumprimento dos compromissos europeus, há espaço e oportunidade na Europa para procurar outros rumos. O programa político promovido pela coligação de direita na anterior legislatura, tal como disse António Costa inúmeras vezes, é a expressão flagrante de uma opção ideológica radical. A vontade popular expressa nas eleições ditou o fracasso desse projeto. Reconhecê-lo, é o ponto de partida para procurar uma solução de governo, qualquer que seja a sua configuração e compromissos que o suportem.

Constitucionalista e professor universitário, membro do Secretariado Nacional do PS

Sugerir correcção
Ler 2 comentários