O futebol da ciência
No futebol continuamos, mais ou menos, na mesma. Na ciência, ficámos com equipas enfraquecidas ou destruídas.
Que regras seriam essas? Não dizia quais. Mas era evidente que tinham de ser diferentes das regras de avaliação internacional que já tinham sido introduzidas havia muito pelas reformas – essas sim estruturais – de José Mariano Gago. Para o porta-voz da política científica do governo da direita era evidente que o enorme salto nos indicadores do potencial científico nacional e da sua internacionalização em todos os domínios resultava duma espécie de batota que o Estado se permitira introduzir no sistema para vencer um atraso secular e nos aproximar da Europa. Por isso, já depois do inenarrável caos nas avaliações, em finais de Julho de 2014, a presidência da FCT ainda clamava, qual rana rupta antes do estoiro final: “É verdade que este é o primeiro exercício de avaliação em que todas as unidades de I&D são avaliadas de forma competitiva”. É preciso ter lata!
A equiparação entre ciência e futebol (a eureka! deste governo) não passava de uma fórmula vazia que varria para debaixo do tapete o lixo estrutural do País. Basta lembrar os milhões que sobram à iniciativa privada para investir em clubes de futebol e a escassez dos meios que a mesma investe em “modernização”, inovação ou recrutamento de mão de obra qualificada e bem paga – isto é, paga pelo seu justo valor (nada de excessivo, certamente, quando cotejado com salários de jogadores e treinadores). Um estudo comparativo deste tipo de correlação na OCDE talvez levasse à conclusão de que a iniciativa privada, em Portugal, por tanto querer “competir” no futebol, pouco se tem esforçado por “competir” em esferas estruturantes e estratégicas da economia. Eis o que até parece ser incentivado pelo governo, ao pretender diminuir agora ainda mais os “custos” do trabalho: mais lixo estrutural, em vez duma economia verdadeiramente “competitiva” na sociedade do conhecimento!
Como se viu, porém, ao longo deste penoso consulado, o futebol de que falava o presidente da FCT não tinha paralelo nos anais do desporto. Mudava-se de regras a meio do jogo, entregava-se a arbitragem a quem desconhecia a matéria em competição, alteravam-se por decisão administrativa – enfatizo – resultados cientificamente validados por painéis internacionais, cometiam-se, enfim, inomináveis atropelos às mais elementares regras de transparência e isenção. Já para não falar da legalidade – coisa que nunca preocupou esta direção da FCT, useira e vezeira em ignorar recursos de decisões de avaliação (ou, após muita insistência, em recusar-se a fundamentar cientificamente o seu não-provimento), em desrespeitar prazos para responder a reclamações e em dispensar-se de corrigir erros informáticos e outros lapsos grosseiros mesmo quando estes inquinavam o processo de avaliação. Marcas de uma gestão discricionária, à margem do Estado de Direito.
As consequências estão à vista. No futebol continuamos, mais ou menos, na mesma. Na ciência, ficámos com equipas enfraquecidas ou destruídas. Antes altamente internacionalizadas, atrativas para investigadores de excelência em todos os domínios científicos, perderam centenas dos seus melhores elementos, forçados a emigrar, a regressar ao estrangeiro ou a desbaratar no desemprego e subemprego o seu saber e capital de experiência.
Por fim, na despedida, o árbitro inventou a regra de que também podia jogar numa das equipas: e marcou um golo!
Espanta-nos que um cientista reconhecido pela sua investigação em cegueira tenha demonstrado uma tão confrangedora falta de visão em matéria de política científica! Mas, é um facto – mais uma vez comprovado pela experiência de quatro anos de governo da direita – que a cegueira ideológica cega mais do que a visual.
Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL)