A Crise do Estado Europeu
Logo em 2008 e em resposta aos efeitos recessivos da crise financeira, as instituições europeias apelaram a resgates bancários e a estímulos fiscais por parte de todos os Estados-membros (EM), sem qualificações. As dívidas públicas subiram em todos os EM da UE e em 2010 tornaram-se alvo da especulação dos mercados financeiros.
Nessa altura, as instituições europeias assumiram perante os referidos mercados que, para efeitos de financiamento das dívidas públicas, a zona euro não existia, cada EM negociava de forma isolada. Esta posição alimentou a especulação dos mercados e esteve na base da segmentação das taxas de juro da zona euro, dos resgates da troika e da adoção de uma política generalizada de austeridade, com doses caninas nos EM resgatados.
A austeridade foi defendida por Jean-Claude Trichet, anterior presidente do Banco Central Europeu (BCE); José Manuel Durão Barroso, anterior presidente da Comissão Europeia; Angela Merkel, chanceler da Alemanha; Wolfgang Schauble, ministro das Finanças da Alemanha; Jens Weidmann, anterior presidente do Bundesbank. No plano académico, encontrou suporte nos trabalhos de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, que tentaram mostrar o perigo de uma dívida pública excessiva para o crescimento, e de Alberto Alesina e Silvia Ardagna, que desenvolveram a doutrina da austeridade expansionista.
A austeridade revelou ser um falhanço colossal, com custos de milhares de milhões de euros para a UE, sendo que não convenceu mercados nenhuns (quem convenceu foi a atuação do BCE). A crise das dívidas soberanas e os resgates podiam ter sido evitados, como demonstra a presente política do BCE de compra ativa de dívida pública (quantitative easing).
Em todos os EM, na proporção da dose aplicada, a austeridade contribuiu para matar a confiança no futuro (e por arrastamento o investimento e o crescimento), para aumentar brutalmente o desemprego e a dívida pública e para fragilizar o projeto europeu e a democracia, ressuscitando os nacionalismos no continente. Mais, revelou uma UE pós Maastricht desequilibrada, em que o poder está no Conselho e neste num diretório de EM. O diretório impõe aos EM resgatados reformas que não impõe a si próprio e cujos resultados são duvidosos. Por exemplo, a flexibilidade acrescida do mercado de trabalho tem gerado quebras de produtividade e de investimento em capital humano pelas empresas.
A UE precisa de uma outra arquitetura. Tal arquitetura passa pelo reequilíbrio do Conselho (paridade de votos entre Estados-membros) e pelo reforço da Comissão (legitimada por uma eleição direta) e do Parlamento Europeu.
Docente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.