Aprender a ser pai
Milwaukee é uma das cidades com maior segregação dos Estados Unidos, e aulas sobre parentalidade tornaram-se o antídoto preferido de Barack Obama para muitos dos problemas que os homens negros enfrentam.
O último aluno a chegar à aula de parentalidade é o único que traz um bebé ao colo. Uma dezena de homens sentados nas suas secretárias ficam a olhar para ele. Paul Gayle, de 19 anos, tem um saco de fraldas cor-de-rosa pendurado no ombro, decorado com tatuagens de folhas de marijuana, e nos braços uma criança de sete meses a chorar. “Vá lá miúda, acalma-te”, diz Paul, levando o bebé para um canto. Estende-lhe uma roca e ela atira-a para o chão. Dá-lhe uma garrafa, mas ela chora ainda mais alto. Finalmente, vai ao saco de fraldas buscar a chucha e um analgésico para as suas dores de cabeça.
“Desculpem a barulheira”, diz. “Hoje estamos os dois um bocado zangados com o mundo.”
“Sem problemas”, responde o professor. “Estou para aqui a falar sobre ser pai e você está a sê-lo.”
“Tento”, diz Paul. “Mas bolas.”
Veio a empurrar um carrinho desconjuntado através de um dos piores bairros de Milwaukee e apanhou um autocarro para atravessar a cidade, não porque quisesse ir à aula, chamada Famílias Frágeis e Parentalidade Responsável, mas porque, como todos os outros que ali estão, não via outra alternativa. Para alguns dos homens ali, a condição para poder visitar os filhos era participar nestas aulas. Paul veio sobretudo por causa dos produtos de bebé gratuitos. Ultimamente, andava a comprar uma fralda de cada vez, repetindo tanto a mesma transacção que já a chamavam Especial Papá Paul: um único cigarro e uma fralda de tamanho 3 por 75 cêntimos.
Esta é uma das cidades com maior segregação dos Estados Unidos, e a aula bissemanal sobre parentalidade tornou-se o antídoto preferido do Presidente Barack Obama para muitos dos problemas que os homens negros enfrentam. A sua Administração aprovou um curso de 16 aulas e gastou mais de 500 milhões de dólares para financiar centenas de aulas destas em todo o país. Uma das maiores fatias foi para o Milauwkee Norte, onde, de acordo com as estatísticas, as crianças negras começam logo no berço a ser vítimas das desigualdades: têm três vezes mais probabilidades de morrer durante o seu primeiro ano de vida do que as crianças brancas, cinco vezes mais probabilidades de viver com apenas um dos seus pais, nove vezes mais probabilidades de ingressarem em escolas com más classificações, 15 vezes mais probabilidades de viver na pobreza, 18 vezes mais probabilidades de irem parar à prisão.
“Pais fortes poderão ser o primeiro e o melhor passo para resolver os problemas destas comunidades e ajudar as nossas crianças a atingir os seus objectivos”, disse Obama no ano passado numa acção de promoção destas aulas.
No primeiro dia do curso, Paul teve de escrever quais eram os seus objectivos. “Escovar todas as noites os dentes à Sapphire.” “Ficar tranquilo.” “Encontrar um apartamento fixo.” “Arranjar trabalho – qualquer um.” Agora está na 15.ª aula, quase a chegar ao fim e, apesar da linguagem esperançosa do guia do curso — “Acabar com o ciclo de pobreza intergeracional!”, “ajudar a transformar a vida do seu filho numa história de sucesso em 16 lições” —, não há muito na sua vida que tenha estabilizado. Em sete meses, mudou nove vezes de casa. Foi aceite para dois empregos, mas falhou nos testes de drogas. Há vários dias que não vê a mãe da criança, uma ex-namorada de longa data que já não vivia com eles.
“A Sapphire tem saudades tuas. Vens vê-la?”, perguntou-lhe uma vez por email. O silêncio que se seguiu fê-lo pensar que a filha poderá tornar-se em mais uma dessas crianças negras cujo futuro dependerá de só um dos pais e esse pai era ele.
Na primeira aula recitou 20 estratégias para gerir a raiva. Na quinta, teve de imitar métodos eficazes de disciplina: “Dizer ‘não’ com firmeza e repetir as vezes necessárias”, lia-se no livro. Agora, a professora pede aos alunos que se levantem para um exercício em grupo, por isso Paul agarra na bebé e junta-se aos colegas no centro da sala. A professora manda-o ler uma série de “declarações sobre valores”, e os alunos vão para o lado direito da sala se concordarem, para o esquerdo se discordarem e para o centro se não tiverem a certeza. “Homens e mulheres são igualmente capazes de tomar conta dos filhos”, diz a professora, e imediatamente todos os homens começam a mexer-se, metade para a direita, metade para a esquerda, chocando uns com os outros enquanto se deslocam. “Oh, bolas, não”, diz um. “Ai não que não sou capaz”, diz outro. Paul ficou sozinho no centro da sala, sem ter a certeza.
“Um homem que chora facilmente é fraco”, diz a professora, e os homens giram novamente pela sala. “Não faz mal ser violento se se foi desrespeitado”, continua. “Um homem deve ser capaz de aceitar qualquer emprego para sustentar os filhos.”
Paul continua sozinho no meio da sala, olhando para todos a deslocarem-se, encostando a bebé ao ombro.
“Vá lá, Paul, de que é que estás certo?”, pergunta a professora.
“De ser honesto”, responde. “Você está a pedir-nos respostas simples de sim ou não, e eu posso achar que as duas coisas estão certas. É muito mais complicado do que você quer fazer parecer.”
Ela foi o seu primeiro filho e, quando descobriu que ia ser pai, ficou entusiasmado e assustado ao mesmo tempo. Estava desempregado, falido, solteiro e ainda sem o liceu terminado — um pai adolescente acidental, precisamente aquilo que a mãe o avisara para não ser. Durante vários meses escondeu a gravidez da mãe, escondeu-a de quase toda a gente, até que em Agosto a sua filha nasceu, com 2,7 quilos, o cabelo desalinhado, a pele macia e resultados normais no seu primeiro check-up clínico. “Saúde: boa.” “Etnia: negra.” “Factores de risco: nenhum.”
A primeira crise da vida dela surgiu algumas horas depois. “Preciso de uma cadeirinha para o carro urgente”, escreveu Paul na sua página de Facebook, quando a enfermeira explicou que não poderiam sair com a bebé sem uma. Ele não tinha telefone nem computador, por isso ligou-se ao Facebook através de um tablet barato que partilhava com um amigo. “Preciso de uma agora!”, escreveu. “Estou no Hospital Sinai. Por favor, alguém me ajude ou me empreste 50 dólares. Eles vendem aqui uma. Por favor, ajudem-me!”
Conseguiu que um familiar lhe emprestasse a cadeira, pediu o carro a um amigo, comprou alguns produtos de bebé e levou a bebé e a mãe para casa, um apartamento de um só quarto de um amigo dele. “Eu vou ser o melhor pai para esta menina”, escreveu na página de Facebook. E só nos meses seguintes é que percebeu o que isso implicava.
“Encaixo-me em qualquer coisa e faço o que for preciso por um emprego”, escreveu em Setembro. “Entrevista de trabalho. Continuo a rezar”, em Novembro. “Mata-me estar a perder tantas coisas da vida da minha filha”, disse, em Dezembro, quando a Sapphire partiu com a mãe para casa de uns parentes no Minnesota. “Dores de cabeça do outro mundo”, escreveu em Janeiro, quando elas voltaram do Minnesota e a bebé ficou a viver com ele. “Cansado, irritado, stressado e mais”, escreveu em Fevereiro, quando a mãe começou a aparecer cada vez menos e ele a interrogar-se se deveria lutar pela guarda da criança em tribunal.
“Alguém quer comprar uma PlayStation?”, lançou em Março quando ficou sem dinheiro e já tinha gasto os seus 198 dólares de cupões de alimentação. “Peço 130$ mas é negociável. Preciso de coisas de bebé.”
Agora estamos no final de Abril e ele acabou a aula de parentalidade e levou a Sapphire para casa da sua mãe no Milwaukee Norte, onde têm ficado desde há várias semanas. A mãe, Bindu, está sentada na sala a ver uma reportagem do noticiário local sobre uma família que vivia ali perto. Tinham feito um churrasco na tarde anterior e sem que ninguém reparasse uma criança de dois anos foi para a estrada e foi atropelada por uma carrinha. O motorista parou e gritou a pedir a alguém que chamasse o 112, mas, em vez disso, o tio da criança apareceu na varanda, deu um tiro na cabeça do motorista e a seguir matou o irmão de 15 anos do bebé por não ter tomado conta dele. “Uma total falta de controlo nas nossas ruas”, afirmou o presidente da câmara numa conferência de imprensa para comentar o sétimo e oitavo homicídios da semana.
“Só me apetece pegar em mim e na Sapphire e escavar um buraco como o Bugs Bunny”, diz Paul quando a reportagem terminou.
“Vai-te embora deste bairro”, aconselha Bindu. “É uma confusão e está cada vez pior.”
“Acredita que estou a tentar.”
“Estuda”, diz ela. “Compra um telefone. Compra um carro. Arranja um emprego. Arranja uma conta bancária. Faz um plano para a tua vida.”
“Já disse que estou a tentar.”
“Um bebé precisa de estabilidade, Paul. Não pode ser na base de um dia de cada vez durante 18 anos. Tens de lhe dar alguma coisa a que se agarrar.”
“Ok, já percebi”, diz, virando-se novamente para a televisão.
Paul é o filho mais novo de Bindu, que o acha parecido com o pai: coração mole e cabeça dura, tudo boas intenções sem a capacidade de agir a seguir. Tatuou nos braços os nomes e datas de nascimento dos irmãos, como homenagem à família, mas enganou-se numa das datas. Esteve muitas vezes à beira do limite — foi suspenso da escola, mas nunca expulso, consumia marijuana mas não a vendia. E aos 19 anos tinha o que poucos homens negros do seu bairro conseguiam ter: estava entre os 42% sem registo criminal; os 35% com um diploma de liceu e os 14% dos pais que vivem com os filhos. “Um mestre em quase evitar o desastre”, diz-lhe Bindu. Dissera a mesma coisa sobre o pai, até que ele foi morto durante uma discussão, tinha então 39 anos, andava Paul no 8.º ano.
A polícia não resolveu esse homicídio, nunca sequer apontou para as pistas, e as experiências de Bindu em Milauwkee dão-lhe poucas esperanças de que alguma vez o venha a fazer. Bindu trabalhou para uma organização de ajuda aos sem-abrigo, entregando água debaixo de pontes e ouvindo histórias sobre como as infra-estruturas da cidade não conseguem ajudar as minorias: escolas públicas onde bem menos de metade dos alunos não desistem antes do fim; longas listas de candidatura a habitação social; prisões com o dobro do rácio nacional de homens negros e uma disparidade de acesso à saúde tão grande que os brancos vivem quase uma década mais do que os negros. “Se és negro e queres ser saudável, não vás viver para Wisconsin”, aconselhou uma vez o vereador da saúde daquela cidade.
Mas Bindu vive em Wisconsin, num dos seus piores bairros, onde a iniciativa parental de Obama foi publicitada em panfletos colocados em barbeiros, bancos alimentares e abrigos para os sem-abrigo. “Pais fortes tomam os assuntos de família em mãos”, lia-se num deles. Ainda que muita gente tenha considerado que esta era uma solução demasiado curta para um problema de racismo sistemático tão grande, Bindu achou que uma aula de parentalidade seria pelo menos um sítio seguro e construtivo. Convenceu Paul a inscrever-se e disse-lhe que poderia deixar de dormir nos sofás dos amigos e ir viver com ela, desde que cumprisse as regras: nada de vaguear pelo bairro à noite; nada de visitas da mãe da criança, em quem não confiava. “Não posso ser a tua rede de segurança para sempre”, disse-lhe. Decidira que não iria dar-lhe uma chave de casa.
Paul pega em Sapphire ao colo e sobe as escadas para o seu quarto, onde tem um colchão no chão, por baixo de uma fiada de luzes de Natal. Escova-lhe os dentes e deita-a no berço. Depois, senta-se no parapeito da janela, acende um cigarro e sopra a fumaça para o beco.
“Está na hora de dormir”, diz quando Sapphire se prepara para brincar na cama. “Vá lá, o pai precisa de uma folga, miúda.” “Amanhã levantamo-nos cedo, vamos fazer com que alguma coisa aconteça. Vamos começar do zero, nós os dois.”
“Fecha os olhos”, diz, mas como Sapphire não pára de olhar para ele, fecha os seus.
Na manhã seguinte ao acordar tinha uma mensagem de esperança na página de Facebook: “Pode ser que haja um trabalho. Liga se puderes”, escreveu o antigo orientador do liceu. Como Paul não tem telemóvel e não quer esperar, arranja o saco de fraldas, enrola Sapphire num cobertor e atravessa a cidade para se encontrar com ele no liceu Pulaski. Terminara o liceu no ano anterior e o director tinha escolhido o seu caso para o aclamar como uma “história de viragem”. Começara a escola meses depois da morte do pai, era um jovem que amolgava cacifos nos corredores, mas tornara-se um dos excêntricos mais populares do liceu, com as suas meias fluorescentes e cabelo despenteado. Cozinhava a comida jamaicana do pai e vendia-a no refeitório. Ganhou medalhas de honra no último semestre e um professor sugeriu que se candidatasse a uma escola de culinária ou até à faculdade. “Tu consegues”, escreveu-lhe na avaliação.
Agora, Paul entra no corredor e encontra esse mesmo professor, que olha para o bebé que ele tem nos braços. “É teu?”, pergunta-lhe. “Iá”, responde Paul. “Parabéns”, diz-lhe.
Muda a fralda a Sapphire, sobe as escadas e dirige-se ao gabinete do orientador. “Falou num emprego?”, pergunta Paul. O orientador explica que uma amiga está à procura de alguém para tomar conta de pessoas num lar de idosos, sem exigir experiência, e paga dez dólares à hora. “Precisam de alguém que possa começar já.”
“Eles fazem testes de droga?”, pergunta Paul, lembrando-se nos exames à urina em que falhou.
“Não”, responde o orientador. Aponta para as suas tatuagens. “Talvez precises de tapar essas folhas de marijuana que tens no braço, transformá-las em corações ou coisas do género. Mas o fundamental é ligares-lhe esta noite.”
“Vou pedir um telefone emprestado”, diz Paul.
“Ou talvez possas pegar no carro e ires lá ter com ela.”
“Não tenho carro, mas apanho um autocarro.”
“É bastante longe, em Waukesha.”
“O quê? O trabalho é em Waukesha?”, pergunta Paul. São três mudanças de autocarro. É um subúrbio sobretudo de brancos onde 83% das crianças vivem com ambos os pais, 90% das famílias são pelo menos de classe média, 93% dos adultos terminaram o liceu e 95% estão empregados. “O que é que eles me vão deixar fazer em Waukesha?” Ouve o orientador traçar um plano: tapar as tatuagens, conseguir o emprego, poupar dinheiro suficiente para arranjar casa perto do trabalho e ir viver para Waukesha com a Sapphire, onde ela poderá aproveitar todas as vantagens de uma América que Paul nunca conheceu, uma América a 14 quilómetros de distância.
“Waukesha”, diz o orientador numa voz alta e prolongando a palavra, acenando com a cabeça. “A resposta pode estar mesmo aí. Ela vai crescer bem. Terá amigos ricos.”
“Pode ir para uma dessas creches com jardim e um grande recreio”, afirma Paul, acenando também.
“Irá para a faculdade”, responde o orientador.
“Vai ser médica ou coisa do género”, acrescenta Paul.
Promete ao orientador que irá telefonar para conseguir o emprego e começar a atravessar a cidade.
A Sapphire fica irrequieta e ele encosta-a ao peito. Ela baba-lhe o ombro mas ele não liga. “Waukesha”, repete, tentando habituar-se à ideia, porque se calhar até pode resultar. Terá conta no banco. Poupará dinheiro para voltar a estudar e exigir a guarda total de Sapphire. “Por esta pequenina aqui, eu ultrapasso tudo”, escreve no Facebook com uma foto dela. E quando chega a casa da mãe parece-lhe que é já um sítio de onde ele está prestes a sair. “Uma semana e já estou fora”, diz, conduzindo Sapphire até à porta. Puxa a maçaneta, mas ela não roda. Bate e ninguém responde. Empurra a porta com o ombro só para ter a certeza. “Bolas. Está trancada.”
Senta-se no passeio à espera que a irmã chegue com a chave. Ao fim de alguns minutos, Sapphire começa a chorar, por isso ele embrulha-a no cobertor e dá-lhe o resto do leite. Dez minutos depois, dois adolescentes passam por eles e Paul detém-nos. “Ei, dêem-me um dólar”, diz-lhes Paul. Mas os miúdos continuam a andar. Fuma um cigarro, acende outro. Aperta ainda mais o cobertor à volta de Sapphire. “Desculpa”, diz-lhe.
Um vizinho vem para a rua para conversar enquanto esperam. “O que aconteceu?”, pergunta. Paul conta-lhe a ida ao liceu, o orientador, o trabalho de dez dólares à hora. “Waukesha? Iá, tu ias encaixar bem em Waukesha”, disse o vizinho, rindo-se da ideia. E algo na sua reacção faz Paul aperceber-se do ridículo que aquilo parece. Ele não tem emprego. Não tem corações nos braços ou um carro que o leve para o trabalho, ou dinheiro para alugar um apartamento nos subúrbios. Ele nem sequer tem a chave da sua própria casa.
“Waukesha. Eu sei, bastante estúpido não é?”
O que ele tem é uma bebé e mais aulas de parentalidade na próxima tarde, a última das 16 sessões de Obama. A professora fala das cinco fases de desenvolvimento da criança. Fala sobre tratar as mães com respeito. “Parabéns, graduado!”, lê-se no certificado com o nome de Paul impresso. Antes de sair, a professora puxa-o para o lado. “Este não é o tipo de coisa que se dá por terminada”, diz-lhe. “Isto é para conseguires autodisciplina. É a base da masculinidade. Queremos continuar a ajudar-te.” Paul continuará a ir lá, por causa dos produtos para bebé grátis e pensando que talvez precise de ajuda.
“Hoje vens?”, pergunta por email à mãe da Sapphire, a caminho de casa. Ela diz que sim.
Leva Sapphire para casa, liga os desenhos animados e espera. É assim que passam a maior parte do tempo ali, da cadeira para o sofá, do sofá para outra cadeira, bebendo refrigerante e com latas de leite em pó para bebé por todo o lado. Senta Sapphire nos joelhos, balançando-a, enquanto um desenho animado sobre um carro falante dá lugar a outro de uma casa falante. “Ainda vens?”, pergunta à mãe da criança, e espera que ela responda. Coze batatas e deixa Sapphire comê-las com as mãos. Ela cospe-lhe para o ombro e ele muda de camisola.
“Tããããooooo chateado”, escreve na página do Facebook. “Quem quer ir passear comigo e com Sapphire?” Até que ouve a porta da entrada abrir. É Bindu, que chega do trabalho, agarra-lhe o ombro e beija a bebé. “Telefonaste para saber do emprego em Waukesha?”, pergunta-lhe. “Ainda não.”
Troca os desenhos animados pela MTV e depois pelo American Idol. O sol já se pôs. Começa a adormecer no sofá, mas Sapphire puxa-lhe a barba. “Deixa-me dormir”, diz ele, mas agora ela está a mastigar o controlo da televisão, a puxar-lhe o braço, a exigir atenção. “O que é que queres?”, pergunta. E o que ela quer é ser pegada ao colo, depois gatinhar, depois comer, depois brincar ao esconde-esconde, depois gatinhar outra vez. “A sério?”, diz Paul, colocando-a numa cadeia de baloiço, fechando os olhos. Bindu volta para a sala e põe a mão no seu ombro. “Já telefonaste?”, pergunta-lhe.
Paul levanta-se e sai da sala, atravessa a porta e vai para o beco. “Por quanto tempo vamos ficar aqui empatados? Semanas? Anos?” Olha para a rua e vê a paragem de autocarro e por segundos interroga-se como seria se se fosse embora: em sossego, sem perguntas, sem carrinho, sem bebé.
Mas mesmo daqui ele ouve a Sapphire chorar. Apaga o cigarro e volta a entrar em casa. Quando ela o vê, estende-lhe os braços. Ele tira-a da cadeira, põe-na ao colo e dá-lhe o que pode dar. “Está tudo bem”, diz. “Estou aqui.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post