Vamos regressar para quê? Para um programa de estágios?
Muito bem jovens portugueses, vamos regressar. Mas vamos regressar exactamente para quê? Em que condições? Voltamos para um programa de estágios?
Desculpem a franqueza, mas em relação ao tema da juventude e da migração, os políticos portugueses são absolutamente esquizofrénicos. Antigamente tínhamos o pragmatista Passos Coelho e o seu executivo, que gentilmente convidava os desempregados a procurar emprego no estrangeiro. Actualmente, temos o idealista Cavaco Silva, que decidiu pedir aos jovens portugueses que regressem “agora” para Portugal.
Que os políticos vivem num mundo diferente do nosso já é bem sabido. Um mundo de outras possibilidades, entenda-se. Todavia começo a questionar-me se viverão sequer no mesmo país. Muito bem, jovens portugueses, vamos regressar. Mas vamos regressar exactamente para quê? Em que condições? Voltamos para um programa de estágios?
É necessário entender que as razões que nos levaram a sair são as mesmas razões que nos levam a não regressar: o país simplesmente não nos dá condições para viver. Portanto, se os discursos de Passos Coelho e Cavaco Silva são completamente opostos no que propõem, a verdade é que ambos se sustentam na mesma visão, tão opaca quanto fatalista. Eles parecem não entender o país que há para além do seu “país”.
Vejo o executivo, entrevista atrás de entrevista, a sublinhar a importância de cativar o investimento estrangeiro. A satisfação do Governo é quase palpável, quando há o anúncio de mais uma empresa estrangeira que abriu uma fábrica em Portugal. Conseguir colocar mais algumas dezenas de portugueses, com trabalhos mais ou menos dignos, a trabalhar arduamente e com “remunerações ainda mais competitivas”, para que o capital estrangeiro se aguente no país? É esse o tão denominado “investimento estrangeiro”? E se tentássemos captar não só investimento estrangeiro, mas também as caras por detrás desse investimento? Por que não cativar também licenciados, mestres, cientistas, investigadores…
“Portugueses lá fora”
E será neste ponto do artigo que os leitores estabelecerão o limite do aceitável. Pois se Portugal é bom em produzir algo, isso são licenciados, mestres, cientistas e investigadores. Pois é. Isso é verdade. Mas não temos feito um bom trabalho em mantê-los em território nacional, pois não? E a razão para tal é bem simples. Aos olhos dos políticos, os portugueses serão ainda trabalhadores pouco qualificados, ainda quando qualificados. Sequiosos por um qualquer emprego e a garantia do já tão badalado “mínimo de dignidade”. Não me parece que o próprio termo “mínimo de dignidade” encerre em si qualquer tipo de dignidade.
Queremos mesmo ser o país que consegue captar os trabalhadores portugueses com qualificações, mas não o país suficientemente bom para conseguir captar os trabalhadores estrangeiros com qualificações? Pois se continuarmos a insistir muito mais nos “portugueses lá fora” que têm de regressar à pátria, ao invés do país que dá condições de trabalho e de vida até aos trabalhadores estrangeiros com melhores qualificações… então fico com a sensação de que, para os líderes portugueses, exista algo mais do que a nacionalidade a separar a essência de ser “português”.
Se a única coisa que conseguirmos colocar em Portugal forem “investimentos” e não “capital humano”, então o futuro não pode ser optimista seja em que cenário for. Queremos mesmo continuar a ser o país que tem tanto orgulho em conseguir atrair milhões de turistas, mas que nem sequer se concentra em garantir que se consiga cá viver a tempo inteiro? Se é isto ser um país periférico, então periféricos são os líderes.