Quando os prazos são a única forma de fazer política
Tenho para mim que quem quer fazer política com datas e prazos de concursos é porque não tem muito a dizer sobre o que pensa na sua área de actuação.
As ideias da promoção da excepcionalidade ainda acima da excelência ou a da bucólica arte bonsai de aplicar podas a todo um sistema científico resultaram em verdadeiras e muitas vezes irrecuperáveis amputações de capital humano, das quais não temos memória na história recente. Mas poupámos uns cobres e, afinal de contas, a austeridade toca a todos. O quanto perdemos é bem mais difícil de contabilizar.
O propósito de voltar a escrever sobre o assunto, é a abertura do concurso de bolsas individuais 2015 por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), cujo prazo de submissão de candidaturas termina a 11 de Maio. Recordo que o prazo do mesmo concurso em 2014 terminou a 30 de Setembro desse ano, o de 2013 a 19 de Setembro desse ano, o de 2012 a 3 de Julho desse ano, e o de 2011, ainda da responsabilidade do anterior Governo, já em gestão, a 3 de Junho desse ano. Ou seja, esta é a primeira vez, em tempos recentes, que é lançado um concurso de bolsas individuais claramente para não incluir todos aqueles que acabam os seus ciclos de estudos no final de um ano lectivo, como seria normal e desejável. O primeiro critério de elegibilidade não deixa dúvidas: “Ter concluído, até à data de submissão da candidatura, uma licenciatura pré-Bolonha e/ou mestrado pré ou pós-Bolonha” ou “ter concluído o doutoramento, até à data de submissão da candidatura”, consoante a bolsa.
Vale ainda a pena transcrever o último critério de elegibilidade: “Não ter beneficiado de uma BPD (bolsa de pós-doutoramento) directamente financiada pela FCT. Não obstante, a título excepcional (está a negrito no original), no concurso de 2015, poderão concorrer, para um período máximo de três anos, candidatos que já beneficiaram de uma BPD financiada pela FCT.” A título excepcional porquê? Porque não houve política de criação de emprego científico nos últimos anos, pelo que será necessário empurrar a batata quente mais uns meses, em virtude de haver eleições, respondo.
Desconheço se a ideia subjacente a esta estratégia de fazer política com datas e prazos é uma válvula de escape para esvaziar a pressão criada durante quatro anos na comunidade científica, a tempo de pôr mais uns generosos pontos num gráfico de atribuição de bolsas, ou se reflecte algum pensamento de gestão de ciência e tecnologia que não alcanço. Ainda assim, tenho para mim que quem quer fazer política com datas e prazos de concursos é porque não tem muito a dizer sobre o que pensa na sua área de actuação. Nos países desenvolvidos, com os quais nos gostamos de comparar, estes prazos estão fixados há décadas, para que os investigadores se preparem a tempo de poder elaborar as melhores propostas. À tutela compete apenas definir orçamentos e áreas prioritárias. Não prazos de candidatura. Simples, não?
Quem vier a liderar o sistema científico e tecnológico nacional encontrará o triste desafio de despender grande parte da sua energia a colar os pedaços de um edifício que deixou ir as suas fundações embora, feitas de gente pertencente à geração mais formada de sempre, resultante de uma das maiores apostas em capital humano que todos fizemos nas últimas décadas. É imperativo que os prazos dos concursos sejam mesmo um não-assunto e que sejam postas a sufrágio verdadeiras opções políticas para este sector, claras e com critérios de sucesso mensuráveis.
Biólogo (bagoncas@gmail.com)