Drones: (r)evolução em vídeo; revolução na vida
Estes zângãos, traduzindo “drones” para português, como bichos em excesso, podem dar azo a uma autêntica praga. Uma perigosa praga tecnológica.
Para os videastas independentes abrem-se extraordinárias soluções criativas com este novo veículo, que antes eram do domínio restrito das indústrias audiovisuais. E não me refiro apenas aos óbvios planos olho-de-águia (picados de grande amplitude), que gozam ainda de um impacto imediato, antes da expectável banalização de alguns desses tipos de imagens. Refiro-me sobretudo a todos os movimentos de câmara complexos com estabilidade convencionalmente assegurada por meio de suportes como gruas, dollies ou steadicams, que passarão também a ser garantidos por drones. Permitindo a muitos de nós, de uma forma simples e económica, perspectivas e “coreografias de câmara” antes impossíveis a amadores ou a profissionais que trabalhassem em produções financeiramente reduzidas. Mais, o drone possibilita um registo fílmico contínuo, comandado com precisão à distância, que pode passar de um movimento de câmara típico de grua para um de helicóptero, entre outras variações antes irrealizáveis. E esse é um acrescento também para produções médias e grandes de cinema e televisão.
No universo videográfico será uma revolução tecnológica e comercial possivelmente mais importante que aquela que, não há muito tempo, permitiu a diversos utilizadores filmar com câmaras, a preços acessíveis, de resolução alta com objectivas intermutáveis (substituíveis), possibilitando uma elaboração visual próxima das câmaras usadas ao longo de décadas pela indústria cinematográfica.
Em termos de captação de imagem em movimento, o novo paradigma que o drone instaura talvez apenas tenha paralelo histórico com o fenómeno gerado pelo fabrico alargado da câmara portátil de 16 mm. Uma máquina que foi uma enorme contribuição para a mobilidade das câmaras de filmar e que, como o drone, foi apurada num contexto marcial, a II Grande Guerra, e que posteriormente também foi comercializada de forma nada elitista, com sabidos contributos para o aparecimento de novos movimentos cinematográficos (Direct Cinema, Nouvelle Vague, etc.).
Num plano mais alargado, para breve também existirão implicações profundas no nosso quotidiano derivadas da utilização de drones, que inevitavelmente terá de ser regulada por uma legislação específica que defenda a privacidade e a segurança das pessoas, e evite a poluição visual do espaço público e a intromissão gratuita.
O recente desafio de futebol entre Sérvia e Albânia interrompido por um drone com uma bandeira que exibia o mapa do Kosovo coberto pela bandeira nacional albanesa é talvez o primeiro de muitos casos mediáticos em que um drone civil está no centro da controvérsia. Noutro jogo de futebol, um drone que filmava a partida caiu descontrolado numa bancada cheia de adeptos do clube brasileiro Santos, o que convoca uma reflexão sobre a segurança física das pessoas perante a queda destes veículos aéreos.
Só no âmbito do desporto, provavelmente a área da sociedade onde se tem utilizado mais este tipo de máquinas, fazendo um exercício especulativo podemos presumir efeitos deveras complexos na utilização intrusiva de drones. Se hoje se vêem recorrentemente nos estádios de futebol lasers apontados aos olhos dos jogadores de forma a perturbar o seu desempenho, pense-se na intromissão de um drone num jogo que ponha em causa o seu resultado ou mesmo a integridade física dos atletas. E como saber quem comanda um desses veículos se este é de longo alcance e com a capacidade de ser enviado fora do recinto desportivo? Outro exemplo. Como controlar a espionagem por drones de treinos onde sejam desenvolvidas estratégias de jogo?
Podemos, entretanto, pensar em consequências de outra gravidade. Como na sexta-feira passada noticiava o PÚBLICO, vêm aumentando as queixas de pilotos de aviões e helicópteros visando drones. Têm sido relatados “potenciais acidentes” nomeadamente quando os pilotos se encontram em situações de descolagem ou aterragem. O resultado do embate de um drone num avião comercial, como refere o artigo, pode ser catastrófico. Numa cidade como Lisboa, cujo aeroporto se localiza no seu interior, um risco como este parece ainda mais preocupante.
Outros inconvenientes bastante sérios que poderão provir desta máquina revolucionária são renovadas formas de controlo orwelliano da vida dos cidadãos, na senda de políticas radicais de videovigilância cada vez mais frequentes um pouco por todo o mundo, ou ainda novos tipos de mironismo, uma vez que um drone pode, por exemplo, aproximar-se discretamente de uma qualquer janela de um domicílio. Levantam-se várias questões problemáticas. Como evitar a utilização deste aparelho em prol de práticas criminosas e terroristas, que podem fazer do mesmo uma máquina de visionamento mas também uma arma mortífera, como os conhecidos drones do exército norte-americano? Como se distingue um drone de entrega ao domicílio, como almeja o gigante Amazon, de um drone que exerça a sua função primordial, espiar, ainda para mais numa paisagem futura muito provavelmente saturada de semelhantes aparelhos aéreos?
Estes zângãos, traduzindo “drones” para português, como bichos em excesso (e alguns deles lembram a morfologia de um insecto), podem dar azo a uma autêntica praga. Uma perigosa praga tecnológica.
Um novo mundo começou há pouco, e poucos se deram conta.