Chamou-me à atenção um texto publicado, recentemente, no P3, acerca do trabalho fotográfico de Wyatt Neumann. Ao que parece, o norte-americano expôs as várias fotografias que tirou à sua jovem filha, Stella, no Instagram, ao longo de uma viagem que realizou durante 12 dias. Isto valeu-lhe enormes críticas de um grupo ultraconservador. Ora, Neumann procura mostrar que o problema está na forma e na interpretação obscena que muitos têm sobre esta temática. Não é assim tão simples.
Nas redes sociais, actualmente, temos acesso imediato ao “bombardeamento” de inúmeras fotos de crianças, cujos pais das mesmas, num impulso de orgulho desmedido pela tarefa cumprida de deixar a sua semente na Terra, exibem, quase como se tratasse de uma espécie de leitão refinado em concursos de feiras, das feiras das vaidades. De uma certa forma, à primeira vista, o acto é legítimo, dado que as redes sociais não são mais do que um grande antro de vaidades. Seja desde a publicação da foto da francesinha saborosa às imagens de férias paradisíacas nas Caraíbas. Toma! Sou mais feliz que tu!
O propósito de Neumann tem a sua razão, todavia é demasiado inocente, confia demasiado na sanidade e no equilíbrio do ser humano. Do outro lado do ecrã, numa encantadora foto de um homem ou mulher de família às direitas, pode estar a pessoa mais delicada e cheia de boas intenções do mundo, porém também pode estar um predador sexual, um pedófilo, um psicopata, e, como consequência, as mesmas fotos das crianças podem ser usadas para outros fins, para outras incongruências longínquas do inocente mundo infantil e das primárias convicções pela qual a imagem é publicada.
Estamos habituados a filtrar desastres e más notícias (isto deve-se um pouco à nossa incapacidade de absorver toda a informação). As dezenas de crianças mortas em Gaza, o avião atingido pelos mísseis dos ucranianos pró-russos, o banco que faliu e o pedófilo, William Vahey, que terá abusado de um número indeterminado de alunos de colégios privados ao longo de quatro décadas. E depois? Depois voltamos a esquecer que não somos todos bonzinhos. Não se deve viver constantemente com medo, não, mas não se deve confiar tão cegamente na falsa segurança.
Neste âmbito, recordo, com algum regozijo, a minha infância, cujas fotografias estão todas guardadas, em formato físico, em enormes álbuns com capas grossas e cores berrantes. A sua revelação era só para os familiares e amigos mais íntimos da família (diminuindo, assim, bastante a montra de exposição). Com um estilo mais subtil, continuava-se a mostrar o filho/filha e a guerrear na luta “d’o meu é mais bonito que o teu”, tal como a lançar uma ligeira provocação para os tios solteiros. A diferença reside, essencialmente, no controlo sobre o fenómeno. O mundo de hoje continua a ser o mundo de ontem, nós é que pensamos que não.