Comissário, actor europeu
Há quem faça um paralelo entre um comissário europeu e um ministro nacional, para alegar que a sua selecção deveria pautar-se pelo mesmo princípio de escolha exclusiva pelo primeiro-ministro e rodeada da reserva que lhe é própria. Deverá ser assim? Antes de falarmos na sua selecção, há que perguntar o que é um bom comissário europeu.
Bom comissário é aquele que consegue fazer uma avaliação dos desafios europeus e desenvolver um plano para lhes responder, concertando os actores relevantes, governos, Conselho, Parlamentos nacionais e Europeu, sociedade civil organizada e peritos, à escala europeia.
Há assim uma grande diferença entre candidatos, se um negociou os fundos estruturais para Portugal e se outro negociou o orçamento europeu como um todo; se um negociou um plano nacional e se outro negociou a agenda europeia de crescimento; ou se um conduziu um programa de ajustamento e se outro co-participou na reforma geral da zona euro. É a diferença entre operar à escala nacional ou europeia, e não perceber isto é ficar enredado numa postura periférica. Se, além disso, um candidato tiver sido eleito nas eleições europeias ele deveria ainda ter um plus de legitimidade (chamada input e não apenas output), embora isso não deva ser condição sine qua non para ser seleccionado.
O que está fundamentalmente em causa é a construção de uma Comissão Europeia enquanto entidade supranacional capaz de defender o interesse europeu e não apenas a soma dos interesses nacionais, ou transmissão de interesses particulares. Para isso é preciso dar ao presidente da Comissão Europeia a latitude de escolha suficiente para que ele possa construir uma equipa que tenha um número suficiente de bons comissários e de base política - o seu núcleo duro- que são fundamentais para implementar as prioridades com as quais ele se comprometeu. Se ele tiver sido eleito pelo Parlamento Europeu, como é pela, primeira vez, o caso de Juncker, ele terá ainda mais legitimidade para exigir esta latitude e para selecionar ou desencorajar as sugestões nacionais.
De sublinhar ainda que, nos termos do Tratado de Lisboa, estas sugestões de comissário devem ser feitas pelos governos, não em nome de si próprios mas do Estados-membros que representam. Isto deveria pressupôr algum processo de consulta e concertação interna.
Mas, até ser nomeado, o candidato a comissário terá ainda um longo caminho a percorrer, já fora da esfera nacional. Ele terá primeiro que ser colocado num vasto jogo de atribuição de pastas conduzido pelo presidente. Este ano, este processo poderá ainda ser revisto para reforçar o peso de mulheres, ainda muito insuficiente e para identificar um Alto Representante convincente, já que este será também vice-presidente da Comissão. Antes da aprovação final pelo Conselho Europeu, segue-se a avaliação de cada comissário pelo Parlamento Europeu, podendo este requerer a substituição de algun(s) como condição da sua votação global da Comissão.
Daqui decorre que a fonte de legitimidade política de um comissário europeu está longe de ser apenas proveniente de um só pais. Ela advém de um processo que envolve o Conselho e o Parlamento Europeu como um todo.
Um comissário europeu é um actor europeu, ou melhor da União Europeia enquanto entidade política sui generis. Não é nem um alto quadro de uma organização internacional seleccionado com o apoio do seu governo nacional, nem um delegado nacional numa organização internacional, nomeado pelo governo sem auscultação prévia do país.
Donde, o que o país deve perguntar-se quando identifica nomes a sugerir ao presidente da Comissão europeia é: quais são os desafios chave da União Europeia nos próximos anos? E quais os prioritários na perspectiva nacional? Quais os nomes mais credíveis que o país pode propôr ao presidente da Comissão Europeia para desenvolver respostas a altura destes desafios? E para obter uma pasta o mais relevante possivel?
É este debate que faltou e que deve ser aprofundado em Portugal. E não se deveria ter receio de apreciar personalidades possíveis, homens e mulheres com sensibilidades políticas diferentes, como Juncker pediu expressamente. Haveria que ter em conta os seus méritos relativos face a essas prioridades, na base de factos comprovados no seu currículo. Ou será melhor silenciar tudo isso e deixar escolher fundamentalmente por critério de proximidade não só partidária, mas pessoal?
É compreensível que o critério de confiança política e pessoal seja ponderado, mas não ao ponto de sacrificar completamente o critério de mérito europeu. Acresce ainda que a consonância com as novas prioridades de Juncker- o crescimento, o investimento e emprego - e a necessidade de reforçar o peso de mulheres na Comissão foram também ignoradas.
Quanto ao meu caso, uma última explicação para quem ainda não percebeu: o que eu critico não é não ter sido seleccionada, é não ter sido submetida à selecção pelo Presidente da Comissão. Vice-Presidente do Grupo S&D no Parlamento Europeu