Construir a Universidade Portuguesa até aos últimos dias de vida
A reforma do ensino superior do professor Veiga Simão continua ainda hoje bem presente entre nós.
Acompanhei sempre à distância o consulado do professor Veiga Simão nos anos em que foi ministro da Educação. Lembro-me, nessa altura, de ouvir falar do GEP da Educação como um local onde se planeava o futuro do ensino superior português com base em análises socioeconómicas detalhadas feitas por equipas multidisciplinares e competentes. Isso mesmo me confirmou o seu amigo, professor Fraústo da Silva, muitos anos depois, já na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, quando lhe prestámos homenagem como nosso primeiro reitor.
A justa homenagem à obra do professor Veiga Simão está bem expressa num muito recente artigo do PÚBLICO, da autoria do meu amigo Roberto Carneiro; juntar qualquer comentário adicional não faria sentido. Contudo, desses tempos, que ele tão bem relata, lembro um ministro que, no início de 1974, de visita a Londres, pretendeu conhecer os bolseiros portugueses residentes em Inglaterra e passou uma tarde a conversar com jovens, quase todos engenheiros, sobre o futuro de muitos deles. Recordei-lhe este episódio há alguns anos e ficou comovido por eu ainda me lembrar.
Esta é a memória que guardarei para sempre do professor Veiga Simão: agia com profunda racionalidade, mas, simultaneamente, era de uma grande afabilidade e de um interesse permanente por tudo o que rodeava, em especial se envolvesse a Universidade.
Posso dar o testemunho dos tempos mais recentes em que o seu empenho para continuar a construir a Universidade nunca esmoreceu. A última vez que falámos, há pouco mais de um mês, foi para combinar uma nova ida ao plenário do conselho de reitores para nos expor as suas ideias, sempre muito bem fundamentadas, sobre a reforma do ensino superior e a reorganização da rede. Estas exposições não se compunham de conselhos, nem de apelos, mas constituíam verdadeiros programas de ação. Creio que se deve ter habituado a agir desta forma desde os tempos em que viveu em Inglaterra, com base naquele princípio: “If you want a job done, do it yourself”.
Esta maneira de agir que, segundo me dizem, sempre o caracterizou não é muito frequente em Portugal, nem antes, nem depois do 25 de Abril. Sempre vivemos rodeados de personalidades impolutas, e pouco intervenientes, que nos ignoram com sobranceria e nos responsabilizam sem procurar saber o que fazemos, nem quem somos.
O professor Veiga Simão fez exatamente o oposto: reformou o ensino, do básico ao superior, num período particularmente difícil da vida nacional. Abriu Portugal ao mundo do conhecimento numa altura em que tudo apontava em sentido inverso. Claro que cometeu erros, sempre fáceis de apontar, mas o balanço da sua intervenção é de tal forma favorável que todos nos devemos curvar perante a sua obra.
Por isso, a minha pergunta é um pouco diferente da formulada por Roberto Carneiro no final do seu artigo: onde estaria o ensino em Portugal se o professor Veiga Simão tivesse abdicado de fazer a grande reforma que completou no início da década de setenta do século passado?
A reforma do ensino superior do professor Veiga Simão continua ainda hoje bem presente entre nós. Os sinais de abertura que então motivou são ainda hoje bem visíveis no sucesso internacional das universidades que fundou.
As universidades públicas portuguesas devem-lhe muito. A persistência com que lutou, até ao fim da vida, construindo o futuro com dados sólidos, baseados em estudos credíveis, seguidos de ações concretas e passíveis de avaliação, ficará para sempre na nossa memória.
Reitor da Universidade Nova de Lisboa, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas