Garagem Sul do CCB. Um primeiro olhar mostra um conjunto de painéis em zig-zag, pintados de azul, de costas para o espectador. Uma massa silenciosa de informação de costas para o visitante que gera curiosidade. Mais interessante do que a provável metáfora do mar (das ondas) na sua origem, é o dispositivo da exposição obrigar o visitante a percorrer a garagem sul até ao limite oposto. Faz a sua travessia ao encontro de um mapa mundo. Aí se inicia o périplo sobre 33 trabalhos de arquitectos portugueses no mundo, numa escolha comissarida pelo aterliermob.
Os textos nas paredes, os mapas e os gráficos sugerem uma tese sobre a emigração recente, embora os comissários avisem que Tanto Mar é apenas sobre o trabalho de arquitectos fora de Portugal. Mas a abordagem é contraditória. Há números e estatísticas sobre a emigração e um apelo velado à ideia real e preocupante do arquitecto que não encontrou trabalho em Portugal. Lê-se no texto inicial da exposição, A Emigração Recente: “estima-se que quase um milhão e meio de portugueses estejam emigrados e que dez por cento detenham formação superior”. Tanto Mar poderia ter sido a construção dessa tese – este seria o momento para o fazer. Seria mais clara como estratégia de exposição e o seu objecto menos confuso. Eventualmente com menos projectos selecionados e mais emblemáticos desta realidade. Isto porque a exposição incorpora o trabalho de várias equipas operativas a partir de Portugal (de arquitectos que não emigraram) como o de outros que estão nos mais diversos contextos geográficos e profissionais (que também não emigraram).
A exposição aborda também uma forma de praticar arquitectura que sempre coexistiu com uma outra que teve sempre mais visibilidade – o arquitecto autor de obras singulares. O intuito de trabalhar com menos meios mas com proximidade com as populações mais carenciadas não é um fenómeno estritamente contemporâneo. Contudo hoje ganhou um protagonismo revelador de uma posição geracional. É também uma forma da arquitectura procurar um significado para além da frivolidade que o sistema do arquitecto–autor–empresário global gerou. Tanto Mar tem por isso o mérito de reunir e revelar algumas dessas práticas para um público que se interessa por arquitectura.
Encontramos um pouco de tudo em Tanto Mar. Ainda que a heterogeneidade faça parte das intenções de quem concebeu a exposição. Arquitectos como José Forjaz (1936) que construiu o seu percurso em Moçambique e que pouca relação terá com Portugal excepto o facto de aqui ter nascido apresenta dois projectos. O mesmo poderá ser defendido para o caso de José Osório Lobato (1949) activo na Holanda desde a década de 1960. Os trabalhos que apresentam – uma intervenção patrimonial em Moçambique e um bairro de habitação de interesse social em Haia chamado Transvaal – são interessantes e valem por si. Contudo a sua inclusão em Tanto Mar não é óbvia. A divulgação do percurso destes arquitectos merecia outro contexto e profundidade.
A cooperação e os processos participativos norteiam a selecção, e os contextos de necessidade extrema dominam (Angola, Brasil, Cabo Verde, Índia, Lesoto, São Tomé e Príncipe entre outros). Questão sublinhada pela escolha dos livros que estão em exposição e que acompanham as centenas de folhas com correio electrónico trocado durante o processo. Ainda que a exposição possua uma estrutura temática – emergência, escassez, urbano, formal e informal – os projectos podem ser lidos de modo transversal dentro destes intervalos temáticos.
Há a possibilidade de conhecer o trabalho de jovens arquitectos como Casalata de Lara Plácido, Ângelo Lopes e Helena Lopes para Cabo Verde. Trata-se de um projecto que implica a auto-contrução, recorrendo à reciclagem de folhas de lata de bidons para construir casas. Filipe Balestra (1981) através da Urban Noveau propõe para a Índia casas verticais também destinadas à auto-construção. Pedro Clarke (1983) mostra o seu trabalho para a O.G.N. Kick 4 Life destinada a auxiliar crianças em Mesaru, Lesoto, o país-ilha no território da África do Sul. O projecto consiste na construção de pavilhões de empreendorismo social. Ou ainda José Castro Caldas (1981) que apresenta um projecto para a Casa Artesanto e Museu na Amazónia, também sustentado pela auto-construção. Todos estes arquitectos decidiram ou foram constrangidos a trabalhar fora, mas o que os une é a estratégia de fazer arquitectura em contextos de adversidade e com princípios de actuação que envolvem as populações. O processo é tão importante como o resultado final, que, na grande parte dos casos, tarda em acontecer.
Sobre o desenho da exposição também se pode dizer que a opção de apresentar dois painéis onde apenas um contém informação sobre o projecto é frágil – escasso em informação de projecto. Em muitos casos seria necessário mais espaço para mergulhar nos propósitos e no modo de os realizar. Os vídeos ajudam a perceber o contexto de algumas destas operações.
Por justificar está a inclusão em nome próprio de arquitectos que foram colaboradores de escritórios de arquitectura. Estes jovens arquitectos surgem como responsáveis pelos projectos nos painéis da exposição mas quando se mergulha nas fichas técnicas percebe-se que em muitos casos são um dos muitos colaboradores envolvidos. Esta decisão será aquela que mais frágil torna esta exposição. Porque o momento de tornar público um documento (projecto ou outro qualquer) – aberto à crítica e ao debate – é uma forma de confronto com o mundo. Com esta opção isso não acontece – porque os responsáveis reais de alguns destes projectos não surgem como tal, estão diluídos numa suposta responsabilidade colectiva. Esta opção gera ambiguidade. E a tese subjacente é que muitos foram pelo mundo procurar o seu modo de exercer a profissão. Haveria que procurar melhor.
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